sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

"Aconteça o que aconteça"

Final de ano é uma época em que a programação de todos os canais se torna previsível: filminhos infantis em que a idéia do espírito de Natal é sempre veiculada como se pudesse servir de meia-culpa aos excessos consumistas ou, então, filmes sobre a vida de Jesus e de todos os santos possíveis e imagináveis. Pouca coisa escapa do óbvio. O SBT, porém, contrariou todas as expectativas. Para pior.

O desapontamento começou na quarta-feira, 23. Prometeram que contra o Roberto (Carlos) - que há mais de 30 anos constrói sua imagem de REI com especiais na Rede Globo - iriam contrapor outro Roberto (Justus; apresentador, empresário e agora promovido à categoria de cantor). Ligo a TV e eis que vejo o Justus cantando um repertório composto basicamente por músicas estrangeiras (que, sinceramente, prefiro ouvir com os artistas que as gravaram originalmente) e entrecortando as apresentações com elogios rasgados do seu professor aos seus graves e elogios (comprados?) que artistas da estatura de Agnaldo Rayol faziam ao seu pretenso talento. Desisti de acompanhar até o final.

Também desisti de assistir até o final o "Especial Maisa". O desapontamento começou logo na primeira música em que o autor, Edu Tedeschi, quebrou completamente a lógica dos ditados populares para forçar a rima. Assim, aparecia na canção que "aconteça o que aconteça" (quando o esperado seria "aconteça o que acontecer") "falo tudo que vem à cabeça". A música, além de ser um retrato da menina (menina?) que a interpreta é também o sinal dos tempos em que estamos vivendo.

Aconteça o que aconteça, não confie demasiado na programação da televisão no Brasil.

Mancadas e milagres

Ontem, 24 de dezembro, véspera de Natal, me acidentei em casa. Trabalhei durante um ano e meio em indústrias e nunca me aconteceu nada grave. No entanto, aqui em casa que é um local aparentemente inofensivo, eu quase me ceguei.

É que eu estava colocando no lugar as dobradiças de um guarda-roupa quando a chave de fenda escapou do parafuso e acertou meu olho. Foi uma dor lancinante e até pensei por um minuto que tinha perdido a visão, enquanto lavava o sangue dos olhos.

Milagrosamente, porém, não aconteceu nada além de um arranhão. Tanto que aqui estou escrevendo... Quer dizer, no meu modo de ver foi um milagre. Meu pai, homem nervoso por natureza, apenas me disse: "Como você me dá uma mancada dessas de deixar a chave entrar no seu olho?" Diante de tão díspares pontos de vista, comecei a esboçar um poema:

Quase

Estava tudo em seu lugar determinado:
o parafuso no seu curso, a chave na fenda.
e minha mão no cabo.

Mas, num movimento desajeitado,
forçou-se um tal desvio
que depois dele foi tudo dor e desvario.

Corro a lavar-me, com medo de estar cego
lavo-me, desesperado, e, por sorte, ainda enxergo.
Me encho de um regozijo, me alegro.

Mas isto dura apenas um momento,
até que ouço que a culpa é minha,
por descuidado que sou e desatento.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A Fantasia desmistificada (e condenada)

Num arroubo saudosista (que, supõe-se, devia ser algo menos recorrente num jovem de 23 anos) me dei de presente um DVD duplo - na verdade um único disco com filmes nas duas faces - que contém um filme que marcou a minha infância não tão distante: "A história sem fim".

Trata-se da história de um garotinho chamado Bastian, que é órfão de mãe e parece não superar essa perda. A relação com o pai também não parece das melhores. Possivelmente porque também o adulto se ressente da perda... Tudo isso nos é informado nas primeiras cenas do filme, antes do menino se dirigir á escola. No caminho, três garotos o abordam e, sem dinheiro para dar a eles, Bastian acaba numa lata de lixo. Fica sugerido que não é a primeira vez que isso ocorre.

Minutos depois, fugindo da perseguição desses mesmos garotos, ele penetra numa livraria. Lá topa com um livro mágico e daí em diante é que tem começo verdadeiramente a "História sem Fim", na qual os personagens de Fantasia correm perigo porque as crianças estão deixando de acreditar nelas. Claro que o filme tem um fim. Assim como esse texto deveria ter uma finalidade que está ficando oculta por trás do resumo do filme.

O caso é que não revi o filme sozinho. Minha irmã caçula, criança aí com seus dez anos, estava na sala dividindo o espaço comigo. Certamente curiosa por descobrir o que eu, irmão mais velho, via quando tinha a idade dela. Ela viu e não gostou. Disse que dava claramente para ver que eram bonecos e animações muito simples.

Sinal desses tempos de imaginação colonizada pelas animações da Pixar, o comentário dela teve um efeito devastador sobre mim. Na verdade eu esperava que a qualquer momento o filme parasse de rodar e os personagens fossem morrendo um a um.

A explicação: nesses tempos em que as crianças não mais precisam se dar ao trabalho de estabelecer um pacto de representação com o que quer que esteja passando na tela - elas que pretendem saber que tudo é falso e ilusório - não há mais espaço para Fantasia. Não. A menos que troquemos o nome de Bastian pelo de Dom Quixote. Só mesmo com muito idealismo para continuar acreditando na beleza dessas histórias, apesar de todos os contratempos e dos contraditos.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Atualizando

Andei mexendo em algumas coisas por aqui depois de uma longa e desplanejada pausa. Infelizmente acontece. A gente deixa de acessar a internet com a mesma frequência de antes ou, então, se perde entre as muitas tarefas na faculdade. Acontece.

Mas agora que as férias se aproximam (na verdade tem mais relação com as arrumações e promessas de final de ano...) decidi recuperar esse espaço em sua função principal: comunicar idéias. Para isso, acrescentei marcadores (favor olhar a lateral direita do blog) para facilitar a navegação; excluí algumas mensagens de caráter circunstancial e estou me programando para fazer postagens mais amiúde.

Espero que os eventuais leitores gostem das mudanças. Qualquer coisa, é só fazer um comentário nas postagens ou me contactar por e-mail.

sábado, 31 de outubro de 2009

Humor negro e cobardia

E sigo eu na minha heróica e inútil campanha em prol de um mínimo de juízo e vergonha, no meio acadêmico em que estou inserido. Porque irrita, frusta, incomoda e dói ver uma aula ser interrompida para perguntar-se o significado da palavra "cobarde"... Como se a troca de uma consoante pudesse, nesse caso específico, alterar substancialmente o sujeito covarde, tornando mais corajoso...

Outra disciplina; outra interrupção. O que é humor negro??? Por Deus, minha tola criança, acaso não sabes que os ornamentos que tem posto no quadro antes das aulas são o supra-sumo do humor negro? Não, não... me equivoquei. O supra-sumo do humor negro é chegar ao quinto período de um curso de letras reproduzindo um discurso de livro didático do Ensino Médio....

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A canção latino-americana de luto

Uma nota triste encerrou o "Fantástico" de hoje: faleceu na Argentina, aos 74 anos, a cantora Mercedes Sosa. Considerada por muitos como a voz do continente, símbolo da liberdade e da resistência nos períodos mais drásticos de nossa história recente, ela partiu em função de complicações cardio-respiratórias.

Extremamente curta diante da importância da artista, a reportagem não conseguiu ir além dos lugares comuns (mostrar os fãs na fila pro velorio), sem destacar devidamente as parcerias que Mercedes fez com cantores brasileiros e, principalmente, sem mostrar imagens de sua atuação nos palcos mundo afora. Mas tudo isso é pouco e pequeno demais para ser considerado. É melhor lembrar da Mercedes viva, radiante, dando "Gracias a la vida" e nos ensinando a importância de "las cosas simples":


terça-feira, 8 de setembro de 2009

Um discurso politicamente correto (e vazio)

Hoje ao sair do trabalho encontrei um colega do Ensino Fundamental que há tempos não via. Ao longo dos anos fomos traçando nossos caminhos. Ele, pelo que presumi na nossa rápida conversa, está casado (ou amigado) e acaba de receber a última parcela de seu seguro-desemprego. Eu estou há dois anos no mesmo emprego. A que custo?! Estou na Faculdade. Com que esforço?!

E na despedida, em vez de um adeus, eu disse - como quem não quer nada - que se soubesse de alguma oportunidade de emprego o avisaria. Mas como, se perdemos o contato?

domingo, 6 de setembro de 2009

Entre a pátria e o bolso, qual a melhor opção???

Por aqui preferiram o bolso. Cancelaram um evento de caráter cultural-nacionalista e mantiveram na agenda inutilidades ligadas tão-só à obtenção de recursos por parte de alguns.

Talvez a minha birra seja por conta do meu aniversário. As várias festas feitas com decoração em verde e amarelo, em branco e azul, incutiram em mim um "nacionalismo" um pouco fora de moda. E por que estou dizendo tudo isso?

Por um motivo simples: porque algumas cabeças da cidade, em função daquela doença cujo nome não posso dizer sob o risco de ser comentado por um dos ministérios... (mas todos sabem do que se trata...) decidiu cancelar os desfiles de Sete de Setembro como forma de "evitar" que as pessoas fiquem aglomeradas.

Apesar disso, continuamos aglomerados todos os dias, nos mesmos ônibus eternamente lotados, nos mercados com filas intermináveis por conta do feriado, nas salas de aulas... na nossa vida cotidiana, enfim. E, o que é pior e mais me indigna: haverá muita gente aglomerada em eventos de caráter COMERCIAL, como o JF Folia que, e$tranhamente, não foi julgado perigo$o.

domingo, 2 de agosto de 2009

Retornando de férias...

Estive ausente nos últimos dias por conta de estar de férias. Não durante todo o mês de julho. Não; até porque entrar de férias, ainda que sejam apenas quinze dias - como foi meu caso - envolve toda uma preparação que tem muito de paranóia e superstição.

Entrar de férias implica eliminar papéis de cima da mesa ou pela resolução das pendências (caminho pouco usual) ou pelo artifício de escondê-los nos locais mais inacessíveis como os fundos de gaveta. Enfim, um processo demorado, considerando a quantidade de papéis que havia em minha mesa.

Junte-se a isso as últimas semanas de aula na Faculdade de Letras e se entenderá o porquê de o blog ter ficado um mês inteiro sem postagens. Sinto muito, mas os dias andaram assim... E agora é correr atrás do tempo perdido.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Fausto Silva, Patrícia Poeta e a TV brasileira

Ontem eu sentei na sala para assistir o finalzinho do "Domingão do Faustão", coisa rara de acontecer. Todavia, meu lado sádico pedia que eu risse um pouco com as repetidas cassetadas, que, apesar de tudo, poderiam salvar o finalzinho de um domingo que passei brincando com um primo de 04 anos de idade.

E eis que ocorreu o improvável: no meio do programa o apresentador pede desculpas à mocinha que agora comanda o Fantástico por ter, no domingo anterior, dito que ela poderia esperar um pouco mais para fazer a chamada do noticiário, já que esperara nove meses para nascer.

Podem discordar de mim, mas eu acho que ele não devia ter pedido desculpas a ela. Primeiro porque uma das poucas coisas que salvam o programa dele são os raros momentos em que, desbocado, Faustão mostra as falhas de sua produção e expõe um lado menos glamuroso da TV brasileira. E, segundo, porque ele está com a razão. A Patrícia Poeta poderia perfeitamente fazer a chamada durante os comerciais. Agora, há aí uma malandra jogada: se ela divulga as (não)notícias durante o programa de seu colega de emissora; os comerciais serão mais largos para os anunciantes. E são os anunciantes que pagam tudo e todos.

E já que falei em anunciantes (e conseqüentemente em valores), os programas de fofocas tiveram bastante sobre o quê falar com a guerra entre SBT e Record, que tomaram profissionais uma da outra em transações de valor inimaginável para os pais de família que, sem opções, se contentam com receber R$ 465,00 mensais. Ah sim, e se contentam com assistir aos programas da TV aberta nos horários vagos.

A questão é: se na Toda-poderosa Rede Globo há problemas e imposição de "agentes externos", como esse que ocorreu entre o Fausto e a Patrícia, que esperar dessas outras emissoras? E, além disso: o que garante que Gugu será menos chato na Record?

terça-feira, 23 de junho de 2009

Festas juninas: como manter a tradição, se tudo aponta para a ruptura?!

Ontem desci da faculdade comentando com um amigo sobre a aculturação que a mídia de massa promove em nosso país e da perda de nossas tradições. Inevitavelmente, começamos a elencar exemplos e um deles, talvez o mais contundente nessa época do ano, é a invasão das festas juninas pela música (?) "country".

E hoje pela manhã, lendo o jornal, descobri - com pesar - que o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) está acrescentando um ingrediente extra na mistura. E não é o "elemento X"... Trata-se de uma descabida cobrança, imposta às escolas, pela execução de músicas do nosso cancioneiro popular durante as comemorações juninas, julinas e por vezes agostinas que fazem a alegria de muita criança por aí.

Ora, por mais que se queira promover o pagamento ao artista, não me parece sensato esquecer que essa pressão colocada sobre as escolas contribui (e muito) para a abertura de espaço para esse gingar mecanizado que nada tem que ver com nossos folguedos multicoloridos e felizes!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A Índia simplificada

Confesso que tem me incomodado um pouco a trama global das 21 horas. Não, eu não assisto (des)"Caminho das Índias", até porque nesse horário estou na sala de aula tentando me habilitar em Letras.

No entanto, não estou imune a ouvir os constantes comentários (vazios) das pessoas na rua, no ônibus e mesmo no meu local de trabalho. O que irrita é que a novela de Glória Perez pouco ou nada traz de novo (e, pior, de verdadeiro) para quem conhece minimamente a cultura hindu.

A Índia NÃO se resume a uma sucessão de danças e macaqueamentos que visam somente promover uma meia dúzia de escolas de dança no eixo Rio-São Paulo. Tampouco se resume a duas castas que passam a vida a digladiar entre si. Mas, como exigir das pessoas, do público médio (para não dizer medíocre), algum grau de consciência crítica?!

terça-feira, 16 de junho de 2009

O léxico dos "letreiros" II

Ontem apresentaram na aula de Literatura Brasileira uma pequena versão do dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, ao interromper variadas vezes (contei pelo menos quinze...) a análise do "romance" Navio Negreiro para explicar à turma o que é cantilena, langor, dolente e, pasmem, chacal.

Algumas pessoas não sabiam que este é um mamífero conhecido por comer carniça. Eu acho que isso se deve ao fato de que "narciso acha feio o que não é espelho", ainda que nesse caso tenha muito chacal se fazendo de desentendido...

Crédito da imagem: http://www.seucachorro.com/chacal/

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Em que a fala impede a ação?!

Recebi hoje pela manhã uma indireta no grupo de discussões que a turma de faculdade mantém no site do Yahoo. Acusavam-me de falar demais e, com isso, impedir a ação das pessoas que estão realmente interessadas em resolver um impasse criado em torno da distribuição de livros arrecadados no trote solidário do ano passado.

Eu poderia ter feito vista grossa e fingir que a indireta era para outra pessoa qualquer. O problema é que eu nunca tive vocação para capacho e dificilmente levo desaforo para casa. Principalmente se o desaforo não tem razão de ser, como é o caso.

Sejamos honestos: a fala de uma única pessoa pode ser tão forte ao ponto imobilizar as demais? Detalhe: não se trata de uma fala proibitiva. Não. Trata-se de uma fala irônica que tem como princípio provocar alguma reação.

Agora, se por reação as pessoas entendem encolher-se dentro da concha, anular-se, inibir-se, ... se o entendimento é esse, então concordo que a fala impede a ação. Do contrário, o que falta aos colegas é força de vontade e animAção.

sábado, 6 de junho de 2009

Que livro você é?!

Febre na internet, o teste contido neste link http://educarparacrescer.abril.uol.com.br/leitura/testes/livro-nacional.shtml informa às pessoas quais livros de Literatura Brasileira elas seriam.

Pelo que pude apurar no orkut, a maioria das pessoas está para ser livros de Paulo Coelho, Martha Medeiros e Roberto Shinyashiki... Nada contra os autores, mas é uma pena ver que a população se pauta apenas pelos critérios médios e acaba por responder ao teste de maneira sempre igual e a obter sempre o mesmo resultado.

Mas o que me assustou de verdade foi ver pessoas que declaradamente detestam a literatura nacional se gabarem do resultado apontar clássicos como "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "A paixão segundo GH". Essa distinção é preocupante porque reforça um preconceito, mesmo por parte de quem é alheio ao tema.

Créditos da imagem: Capa da 1ª edição do romance "A paixão segundo GH". Fonte aqui: http://www.estantevirtual.com.br/.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Irritação

Como dizer às pessoas que nós não queremos que elas mexam no nosso serviço?! Essa tem sido a minha dúvida mais freqüente durante essa semana. Claro que eu poderia simplesmente chegar e dizer. Mas não quero ser grosseiro e dar mais motivos a que me critiquem. Ainda que as pessoas não percebam em si nenhum defeito e sua crítica seja somente motivada pelo desejo de ferir o ego do superior hierárquico, como a querer com isso desqualificar a pessoa que atingiu uma posição de comando. Qualquer que ela seja.

O problema de se assumir um posto minimamente relevante em um escritório é exatamente esse: fica-se com vários papéis acumulados em cima da mesa, resolvendo pendências alheias que dependem (dependem???) do seu aval e enquanto isso os "colegas" - que aguardam que você termine de liberar o serviço deles - ficam sentados a dar palpites sobre quando e como fazer o seu serviço.

O perigo, porém, desse eterno remoer sentimentos é o de um dia, hoje por exemplo, eu acabar me descontrolando e enderaçando críticas reais que, sei, vão ser muito piores que os comentários que eu escuto. Aí será tarde.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Uma reflexão sobre “A Igreja do Diabo”, de Machado de Assis

            O conto A Igreja do Diabo, coligido por Machado de Assis na coletânea “Histórias sem data”, de 1884, ainda hoje parece confirmar a afirmação do filósofo: “o homem é a medida de todas as coisas”.
            O próprio Machado diz, na advertência da obra, que a maioria dos trabalhos nela reunidos tem data, mas que a suposição de que seu objetivo seja “definir estas páginas como tratando, em substância, de coisas que não são especialmente do dia, ou de um certo dia” permite entender o título que ele atribui. Ou seja, o título da coletânea se justifica com o fato de tratar-se de histórias sobre coisas de todos os tempos. E que há de mais antigo no mundo, porém ainda atual, que o duelo entre o Bem e o Mal?
            No conto em questão, o Diabo considera a possibilidade de fundar uma Igreja que combata todas as outras doutrinas existentes, partindo da premissa de que “há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo”.  Decidido, ele procura Deus e comunica desafiadoramente seu objetivo.
            Uma vez estabelecida, a nova igreja arrebata todos os fiéis de suas rivais com uma pregação que os incita à prática dos chamados pecados capitais: gula, inveja, avareza... O grande problema é que, depois de algum tempo, a quantidade de adeptos entra a diminuir.
            Sem “refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análoga ao passado”; Lúcifer retorna à presença do Criador para questioná-lo sobre o porquê desse acontecimento. O Altíssimo calmamente lhe explica que a “eterna contradição humana” é a responsável pelo fenômeno.
            Esta contradição costuma ser explorada com freqüência nos escritos machadianos, como no conto Entre santos, publicado no volume “Várias Histórias”. Neste outro texto, um dos santos (Francisco de Sales) afirma: “Os homens não são piores do que eram em outros séculos; descontemos o que há neles ruim, e ficará muita cousa boa”.
            Quer nos parecer que esta relativização das certezas, tão destoante do cientificismo do século XIX, esta consideração da volubilidade do caráter do ser humano, perceptível nesses dois textos em que o autor se apropria de personagens da seara da religião, constitui ponto de particular interesse mesmo agora.
         Neste início de século XXI, quando o fundamentalismo religioso e ideológico quase sempre nos encaminha para a intolerância e a luta armada, talvez seja oportuno reler Machado de Assis. Depois de ler a obra do Bruxo do Cosme Velho nos fica a pergunta: por que esperar tanto do ser humano?           

"Força da Imaginação"

Conversando hoje com uma amiga fiquei sabendo - com pesar - que a cefetização do Colégio Técnico Universitário incluiu o estabelecimento na triste categoria de comércio de diplomas. Ainda que a palavra comércio aqui não se aplique com exatidão devido tratar-se de escola pública.

Mas acredito que por se tratar de espaço público a metáfora do sistema bancário de ensino se faz muito mais cruel.

Essas reclamações se fundam no fato de o CTU estar oferecendo o curso técnico em Enfermagem à distância no período noturno, com aulas presenciais uma vez por semana. Perguntaram para um dos alunos como ele faz para, por exemplo, punsionar a veia de um paciente. O rapaz explicou que os alunos visualizam pela internet e fazem alguns cliques. Pronto. Simples assim.

Eis o que eu chamo de maravilhosa "força da imaginação".

Créditos da imagem: Ilustração referente ao desenho animado "O fantástico mundo de Bobby", exibido alguns anos atrás pelo SBT. Fonte aqui: http://shopping.banner-link.com.br/loja/loja.asp?loja_id=537&Pedido_Id=&produto_id=60350

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Fala roubada

Ainda na esteira das coisas que me incomodam nos trabalhos em grupo, está, além do roubo de minha vitalidade, o roubo de minha fala programada!!!

Funciona assim: faz-se um esboço de uma apresentação, fala-se (ou escreve-se) um roteiro básico do que cada um dos membros do grupo pode e quer preparar e na reunião seguinte (via de regra marcada em dia, hora e local que impede meu comparecimento ou favorece meu atraso...); decidem que "Fulana de Tal" terá dificuldade em fazer a parte dela e, logo, eu preciso ceder a minha que é mais fácil. Como se eu quisesse falar de coisas fáceis. Como se a escolha não tivesse a intenção de aprofundar e levar além as discussões sobre, por exemplo, o contexto histórico de uma obra literária!!!

Agora decidiram que eu não gosto de "abrir" apresentações. Logo, preciso de novo ceder a minha idéia para outra pessoa e me empenhar (no meu tempo que é escasso, cheio de compromissos...) numa outra pesquisa, mais ampla, mais profunda sobre outro assunto que nem passava pela minha cabeça desenvolver. Complicado, não?!

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A arte de vencer pelo cansaço

Estava eu na sexta-feira na plataforma de uma mini-rodoviária aguardando o ônibus para uma cidadezinha próxima quando (re)descobri como podem ser chatos esses vendedores ambulantes, que normalmente não encontro no meu dia-a-dia.

Eram um rapaz e uma moça quem vendiam: quatro balas de goma por um real, dois "minduim" por um real, um "traids" por um real, um Halls por um real e quatro paçocas pelo mesmo preço. Enquanto um ia da direita para a esquerda o outro vinha em sentido contrário. Cruzavam-se a meio caminho e seguiam até o final da plataforma com sua cantilena.

As vendas, até onde vi, foram minguadas. Mas se estão ali todos os dias algum dinheiro eles têm de estar ganhando. E eu posso dizer: ganham porque cansam os passsgeiros. As pessoas compram porque não querem, não aguentam mais ouvir o mesmo oferecimento meloso. Exceto eu: que me irrito mas sou pão duro por excelência.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O léxico dos "letreiros" (ou a ausência dele)

O que vem a ser indumentária? E inerente? Alguém tem alguma noção do que sejam essas palavras? "Navio Negreiro", do Castro Alves, é um poema ou é um livro?!

Por Deus, onde vamos parar com um Ensino Superior que admite em seus quadros alunos que pouco ou nada conhecem da sua área de formação?!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

"Vida Roubada"


Apesar de este ser o título de uma de minhas músicas preferidas, não é a ela que me referirei nesta postagem. Não.

Quero falar da sensação que tive (e tenho) ao precisar dividir as atividades acadêmicas. Falo aqui do absurdo das provas feitas em conjunto, como a que realizei ontem. A sensação que tenho é a de que roubam a minha vida, a minha capacidade de pensar.

Porque produzir algo com o outro exige um grau de doação e alheamento que não sou capaz de dar. E tanto não sou que polemizo, discuto, "quase bato" (esta última expressão usada por uma das minhas colegas...).

Enfim: queria muito ter a autonomia de ser o único responsável por uma nota boa ou má. Queria de um tudo. Menos ficar com esse travo amargo na boca, sabendo que, depois, não terei como reclamar de uma má nota.

A nota é dessa entidade amorfa, cheia de membros e nem sempre com cabeça, chamada grupo.

Créditos da imagem: Capa do LP "Inédito", lançado em 1983, após o falecimento do cantor Altemar Dutra. Nele está contida a canção a que me referi no início dessa postagem. Fonte aqui: http://poeiraecantos.blogspot.com/2008_11_01_archive.html

segunda-feira, 4 de maio de 2009

"Desculpem, mas se morre"

Apesar de haver a vida e de ela ter de ser vivida
sendo a alma grande ou pequena,
valendo ou não a pena,
a morte não deixa de ser coisa doída.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Análise do poema “O ovo de galinha”; de João Cabral de Melo Neto

Apresento a seguir um trabalho elaborado há um ou dois períodos passados para a disciplina de Teoria da Literatura II. Não está grandes coisas (faltam, por exemplo, as referências bibliográficas), mas para que o trabalho não se perca, o estou trazendo para cá. Espero que gostem!


O ovo de galinha, de João Cabral de Melo Neto


O texto em análise é uma série de quatro poemas unidos por um título comum, nos quais um mesmo objeto – o ovo – é descrito através de uma visão  (por vezes também um tato) impessoal que opera diferentes enunciados de antíteses e comparações:

“Sem possuir um dentro e um fora,
tal como as pedras, sem miolo:
é só miolo: o dentro e o fora
integralmente no contorno.” (grifo nosso)

, ou,

“[...]a mão que o sopesa descobre
que nele há algo suspeitoso:

que seu peso não é o das pedras,
inanimado, frio, goro;
que o seu é um peso morno, túmido,
um peso que é vivo e não morto.” (grifo nosso)

Neste trabalho analisaremos o poema à luz das teorias do formalismo russo, mais especificamente as que dizem respeito ao uso das figuras de linguagem, pois o autor elaborou seu texto transpondo qualidades de elementos humanos e naturais ao ovo, fazendo descrições inconvencionais, como se pode observar também na leitura do segundo poema:

II

O ovo revela o acabamento
a toda mão que o acaricia,
daquelas coisas torneadas
num trabalho de toda a vida.
E que se encontra também noutras
que entretanto mão não fabrica:
nos corais, nos seixos rolados
e em tantas coisas esculpidas

cujas formas simples são obra
de mil inacabáveis lixas
usadas por mãos escultoras
escondidas na água, na brisa.

No entretanto, o ovo, e apesar
de pura forma concluída,
não se situa no final:
está no ponto de partida.

Os formalistas, partindo do princípio de perceptividade (figuração) deixados por Potebnia, irão definir a linguagem poética como um construto distinto da linguagem coloquial/quotidiana devido apresentar particularidades acústicas (ritmo), articulatórias e/ou semânticas. (grifo nosso) Na linguagem poética, diz Iakubinski, “a finalidade prática passa a segundo plano e as interligações verbais adquirem valor intrínseco.” (in: LIMA, 1983, p. 445).

Dentro dessa concepção, cabe aqui destacar que o uso de antíteses e comparações pelo poeta faz com que o leitor veja o ovo de um modo inteiramente diverso do usual. Isso nos aproxima de outro conceito formalista que é o de estranhamento – a arte sendo instrumento para quebrar a identificação automática que o leitor faz do objeto descrito no poema. Ou, como diz Eikhenbaum (in: TOLEDO, 1976, pp.14,15): “A arte é compreendida como um meio de destruir o automatismo perceptivo, a imagem não procura nos facilitar a compreensão de seu sentido, mas criar uma percepção particular do objeto, busca a criação de sua visão e não de seu reconhecimento.” (grifo nosso)

Prolixidade e concisão

Qual seria a maneira melhor e mais correta de comunicar-se com o outro nessa correria nossa de cada dia?! Uma tão direta quanto foi essa pergunta?

Ou o ideal seria uma maneira rebuscada - cheia das mais variadas intervenções -, focada não apenas na mensagem, mas na forma mais bela, mais preciosa de arranjar as palavras?

A pergunta, para mim, não tem resposta possível. Em primeiro lugar porque acredito não caber dúvida sobre o fato do brasileiro ser, em essência, um misto de barroco e parnasiano que se delicia com o rebuscamento e a exuberância de um discurso. Porém, num segundo momento, considero a pressão moderna pelo que é rápido, simples, não toma tempo.

A verdadeira pergunta, ao meu ver, não deveria incidir sobre a forma das frases que escrevemos e pronunciamos. Não. Forma é estilo e estilo é coisa pessoal. O que, de fato, importa é termos um mínimo de sensibilidade para compreender o outro.

Porque não podia haver motivo mais tolo para uma discussão do que discordar da opção que um ou outro faz entre a prolixidade e a concisão.

sábado, 25 de abril de 2009

Sobre cortes de cabelo e um poema de Cecília

Chegando à faculdade na última sexta-feira reparei, de imediato, que um dos intercambistas japoneses cortou as madeixas. Num movimento de aproximação e simpatia, fiz o comentário de praxe, destacando que eu prestei atenção nele.

Pausa.

Ele me disse que não queria comentar sobre o corte porque não lhe pareceu bom. A dificuldade com o idioma impediu que orientasse adequadamente o barbeiro e o serviço foi feito diferente do esperado. De qualquer modo acho que ficou bom, e repeti o comentário. Com perceptível mau estar.

Depois, em casa, parei para pensar que comigo aconteceu algo semelhante: troquei de salão recentemente, porque meu barbeiro habitual estava ficando catacego. E na última vez em que fui a esse novo lugar a pessoa que me atendeu mudou o feitio do corte e, com isso, aumentou as entradas que eu tenho.

Eu não gostei, o pessoal de casa tampouco. E já havia me resignado a deixar o cabelo crescer para cobrir o ponto falhado. Até que ouvi de uma professora que estava bom. Ou seja, o mesmo que aconteceu com meu colega estrangeiro. Mas o comentário dela não era apenas simpático; ela inclusive achava que a mudança me deixou mais jovial.

Olhei, então, por outro ângulo e me consolei com um poema de Cecília Meireles, em que ela detalha para um pintor: "como tenho a testa sombria,/derrame luz na minha testa."

Para a luz chegar até minha testa, os poucos cabelos tiveram de sair.

domingo, 19 de abril de 2009

Movimentos estudantis na UFJF

Eu havia escrito um enorme post sobre as eleições do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFJF, mas um pico de luz me fez perder todo o trabalho. Como não se trata de assunto que desperte demasiado meu interesse não me preocupei com recuperar o texto. Não vale a pena.

O que de fato precisa ficar registrado é que a disputa foi polarizada por duas das três chapas concorrentes. A terceira serviu apenas para receber críticas de todos os lados. Embora eu tenha a impressão de que todas elas devem ser criticadas, porque montar uma chapa apenas pra ter cinco minutos de fama, não resolve. Tampouco resolve elencar propostas vazias e assumir "lutas" que não são apenas dos estudantes, como é o caso do preço das passagens de ônibus.

Venceu a oposição (chapa 02), com as promessas de um novo enredo. Mas a considerar a reação de um dos eleitos - pego de surpresa pelo resultado das urnas -, vejo apenas uma reedição de um enredo antigo. Exibido em um novo desfile de inoperância. Sob os aplausos da ilusão.

sábado, 11 de abril de 2009

Planejamentos naufragados

Recebemos visitas ontem em casa e um dos tópicos foi a chuva forte que desabou sobre a cidade na última terça-feira. Na verdade a postagem é por conta da chuva e não da conversa. Esta última apenas serviu de estopim, já que foram os desencontros da terça-feira que me fizeram afirmar com certeza plena em qual dia tinha se dado o pequeno dilúvio.

Digo dilúvio porque quando chove demais a água começa a formar rios nas calçadas por conta de bocas de lobo entupidas por sacolas de lixo que aguardavam a passagem do caminhão da coleta. Eu fiquei ilhado em uma loja sem ter como me mover por entre aquele mar imprevisto.

E como a água não parasse de cair do céu e muito menos de subir pela calçada, fui me deixando ficar onde já estava; ouvindo os lamentos insuportáveis de gente que tanto ou mais que eu é culpada pelo caos que reinava.

Quando as coisas voltaram à sua aparente normalidade e as águas desceram esgoto abaixo, vi que com elas se ia minha intenção de passar na biblioteca municipal e a de me encontrar com um amigo e a de chegar na faculdade a tempo para as aulas. É frustrante.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Entre a tradição e a modernidade

Na aula de Filosofia da Educação ocorrida ontem tivemos um princípio de discussão que promete render: as vantagens e desvantagens de trocar uma aula tradicional, focada na transmissão de conteúdos, por uma outra que se baseie principalmente no diálogo e na construção conjunta do conhecimento.

Alguns defendem com veemência a troca, vendo nela aspectos ultra positivos. Eu, sem ser totalmente contra, sou obrigado a duvidar que a troca de fato ocorra. Para mim, mudam-se os conteúdos (como agora está para acontecer com a possível adoção do Enem como vestibular), mas mantém-se sempre um ensino pouco reflexivo, que é o que se exige para aprovação das pessoas em concursos e nas mais diversas esferas da sua vida.

E, para além disso, somos uma geração ainda criada e educada dentro do modelo estabelecido (e por isso alcunhado de tradicional) e duvido muito que alguns, sem ao menos saber a distinção entre sobre e sob ou sem conhecer os títulos mais elementares de um escritor da estatura de Machado de Assis, duvido muito que tragam contribuições de real valor para essa mudança.

Indo mais longe (e extrapolando a questão meramente educacional), a dinâmica social surge exatamente da tensão entre o novo e o antigo. Os desfiles de escola de samba, por exemplo, são hoje a consequência de uma série de inovações que escolas como Salgueiro, Império Serrano, Beija-Flor e outras fizeram até mais ou menos a década de 1970. Tanto é assim que o trabalho de Paulo Barros nas escolas em que já passou nunca as conduziu ao título. Era novidade demais para os jurados.

Pode ser que no fim quem esteja certo seja o Belchior: depois de tudo tudo que fizemos ainda somos os mesmos, como os nossos pais.

Estranhos sinais

Normalmente, quando se quer prever se um dia será bom ou ruim, verifica-se com que pé se levantou da cama. O caso é que, para sair da minha, eu preciso forçosamente usar o direito: o lado esquerdo da cama é colado à parede.

Preciso portanto de outros indícios mais adequados à minha realidade. Mas quais seriam eles? Os sonhos (que não tenho)? Um pio da coruja que (in)existe sobre meu telhado? Um ventinho mais frio nessa passagem de março a abril? Talvez um gato preto? Quem sabe a cara amarrada da gerente?

Nada disso. Outro dia eu passei pela rua e, ao me ver, um senhor se benzeu. Isso bastou como sinal definitivo de mau agouro. O que será que esse velhinho viu em mim, comigo ou para além de minha pequena compreensão?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Final de tarde

"Final de tarde" é um poema engavetado que fala de amores. Amores impossíveis, mas por isso mesmo poetizados. E postos em verso por alguém que diz não gostar de suas próprias poesias. O problema é que quando a gente volta de uma viagem com ânimo renovado, precisa publicar alguma coisa. Nessa hora é que se desenterram os guardados. Ei-lo:


O céu cinzento de chuva;
eu na rua aguardando
uma condução que não chega.
Não chega nunca.

Quando finalmente ela vem,
para minha total tristeza,
te aproximas também.

Está posto o dilema: ir ou ficar?
Esperar-te ou fugir? Que devo eu fazer?

Talvez eu devesse me deter,
para dizer-te quão profundamente o desejo me queima.
Contar-te sobre esse incêndio
que, apesar de tudo, segue me maltratando.

Talvez eu devesse dizer
o quanto me sinto triste
por conta da enorme saudade
e da insuportável distância.

Talvez...
Mas minhas palavras ficaram guardadas.
Ficaram presas no reino do impossível porque
Pela mão trazes uma companhia.

A esta visão, perdi a minha tão grande vontade de chegar a ti.
Foi a prudência, o clima ou o medo quem me fez embarcar e partir?!

Viajando de ônibus...

Nessa linguagem confusa em que a palavra hoje pode querer dizer ontem por causa do sono, nessa linguagem confusa quero me expressar sobre viagens.

É que viajar no Brasil significa, quase sempre, embarcar num ônibus. Exceto quando se tem como ponto de partida e/ou chegada a região amazônica: lá só é possível se mover em barcos ou a nado. Outra exceção que me vem à mente seriam os casos em que o destino (ou a origem) é o sertão nordestino: nesse caso só se vai ou volta em pau-de-arara. Desnecessário dizer que, pelas dimensões continentais do território, o ideal seria contarmos com trens e pontes aéreas disponíveis. Entendam-me: o ideal. A realidade, infelizmente, é bem distinta e - parafraseando a Fátima Guedes - também não rima.

Pois bem, falei e falei sem nada dizer da viagem que eu empreendi esse final de semana para o Solo Sagrado da Igreja Messiânica.

Essas viagens constituem um tipo de deslocamento pendular que agrega pessoas num templo nos dias de culto, como hoje, e depois as dispersa em direção às suas casas. Eu faço parte do grupo de pessoas que se deslocam por questões de fé. Os problemas começam quando a religiosidade e os bons fluidos cedem lugar às imprecações e lamúrias por conta de um defeito mecânico na condução.

Agora, imaginem essas reclamações sendo feitas num contínuum durante mais de uma hora numa curva de uma estrada estreita e plena de vegetação que foi onde o ônibus resolveu quebrar? É triste, mas foi isso o que aconteceu.

Para evitar maiores transtornos, me fechei no meu silêncio e a partir dele fiz os versos abaixo. São versos irados; mas antes descontar a raiva em uma escrita agônica que numa agressão real. Eis a "obra de arte":


"Ônibus parado ou de pessoas sem compreensão"


A paisagem na janela mudava
mas, agora, já não muda mais.
Ocorreu uma pane qualquer
(dizem que é uma válvula quebrada)
e o povo se desmancha em "ais".

Sabemos que nada pode ser feito,
mas a incompreensão é tal
que se comprazem, os tolos, em julgar mal
os que, lá fora, tentam, sem sucesso,
eliminar o defeito.
Mas qual o problema maior:
o ônibus que não anda,
ou esses lamentos ao meu redor?!

sexta-feira, 3 de abril de 2009

"A máquina do mundo"

Partindo da leitura do episódio da "Máquina do mundo", o último grupo a apresentar os seminários sobre "Os Lusíadas" nas minhas aulas de literatura portuguesa, buscou traçar um paralelo com o poema drummondiano que carrega o mesmo título.

Uma das coisas que eu pude observar (e que certamente não é nenhuma grande novidade, mas tem lá sua parte de razão) é que o homem renascentista tem a revelação dos mistérios desse nosso mundo como sinal claro de que está atingindo o máximo de sua trajetória, como um prêmio último (e merecido) pelos seus esforços. Mas Drummond (e nós todos, homens pós-modernos) renegamos esse saber.

O motivo é simples: nós estamos hoje colhendo o fruto (não muito doce, sem ser de todo amargo) que foi gestado nos infinitos giros desse maquinismo que é tão preciso quanto um relógio suíço. Sua exatidão é tanta que ele até mesmo nos cobra a responsabilidade pelos nossos atos ambiciosos. E o preço é alto.

Créditos da imagem: A Máquina do Mundo, in Margarita Philosophica de Gregório Reisch (1508). Fonte aqui: http://www.portaldoastronomo.org/tema_pag.php?id=37&pag=1

domingo, 29 de março de 2009

Dança das cadeiras

Antes de mais nada cabe aqui a explicação de que este texto não é muito atual. Eu o escrevi no final de 2007, quando trabalhava no departamento pessoal do escritório e tinha entre as minhas atribuições sair para buscar informações em órgãos públicos ou então para coisas menos nobres como por exemplo acompanhar funcionários que não conseguiam auxílio doença. Como se eu fosse alguma espécie de talismã.

O problema é que eu nunca tive vocação para amuleto. E o único proveito que eu tirei disso tudo foi o texto abaixo. A ironia extrema a me salvar do marasmo rotineiro:

“A dança das cadeiras ou tática do governo para não-concessão de benefícios”

“Alô, alô, marciano
a coisa tá ficando ruça”

(Alô, alô, marciano – de Rita Lee e Roberto de Carvalho)

Meu trabalho não é um primor. Aliás, nunca é. E não será talvez jamais. Mas há as compensações e são elas que nos salvam e algumas vezes nos esclarecem. O quê?

Esclarecem, por exemplo, sobre o funcionamento da máquina governamental e quais os artifícios ela usa para reter dinheiro. Quem já foi ao INSS ou ao Ministério do Trabalho saberá do que estou falando. As filas nesses lugares são em cadeiras, numa média de trinta. Cada um que se levanta; os outros vinte e nove têm de saltar para a cadeira seguinte – então vaga. E assim sempre, numa sucessão tal que quem está mais para o final fica dividido entre levantar e mudar de cadeira ou arrastar o traseiro de uma (cadeira) a outra, o que, convenhamos, concorre para que a roupa rasgue.

E digo mais, esse estado de coisas dá sono e irrita e frustra. Quem não tem força de vontade suficiente para lutar pela ninharia de um auxílio-doença ou seguro-desemprego desiste. Eu acho que eu desistiria. Se há soluções? Talvez. Mas quem vai enfrentar uma dança das cadeiras em Brasília para apresentar reclamatória ao Presidente?

Créditos da imagem: Essa foto circulou nos mais diversos meios de comunicação quando do auge das investigações sobre o "mensalão". A deputada Angela Guadagnin (PT-SP) dançou para comemorar a absolvição de um de seus comparsas de legenda. Digo, companheiros. Entrementes, o povo DANÇA. Fonte aqui: Dança da impunidade

quinta-feira, 19 de março de 2009

Cultura?!

Cheguei hoje ao trabalho comentando quase extasiado a aula inaugural proferida pelo escritor Affonso Romano de Sant'anna ontem à noite num esvaziado anfiteatro do Instituto de Ciências Humanas da UFJF.

Pois bem, quando eu disse que um dos itens abordados foram os grandes irmãos televisionados pela Vênus Platina, uma das colegas me disse: imagine você que ontem o Bial afirmou que o programa é cultura, educação e empreendedorismo.

Caro Bial, permita-me corrigi-lo: o programa que você dirige do alto de sua prepotência é cultura sim, mas inútil. E é também má educação, ou antes, uma completa falta de educação. Quanto ao empreendedorismo, somente são empreendedores aqueles que tomam iniciativas, aqueles que iniciam algo. E, geralmente, algo de positivo.

Mas ali, naquela casa espúria, a única iniciativa possível é a inércia. Acaso empreendem algo essas pessoas que nada fazem durante dias inteiros e repetidos? Ali a única atividade possível é macaquear o dia inteiro para câmeras indiscretas em troca de um prêmio de valor muito alto. Alto demais se pensarmos que os pais de família têm de sustentar seus filhos com irrisórios R$ 460,00.

Crédito da imagem: Essa imagem eu localizei em um outro blog (http://calidri.spaceblog.com.br/257574/Cultura-Geral-Coisas-que-VC-Precisa-Saber/) e achei que os conhecimentos elencados lá ainda são, de longe, melhores e mais úteis que outros veiculados no programa dos "Grandes Irmãos".

A autonomia do sujeito e o público em palestras

Esta semana vem sendo muito produtiva: a Universidade Federal de Juiz de Fora, mais especificamente a Faculdade de Letras, recebeu um renomado lingüísta e um celebrado escritor para as aulas inaugurais do curso de Letras e da pós-graduação em Estudos Literários.

Sim, na última terça (17) tivemos a aula inaugural do curso proferida pelo professor José Luiz Fiorin acerca da reforma ortográfica e ontem (18) Affonso Romano de Sant'Anna completou a agenda falando da autonomia do sujeito e a arte.

Bom, não tentarei aqui reproduzir as falas deles, até porque me falta competência para tanto. O que gostaria era de saber se os públicos diferentes que cada palestrante congregou ao redor de si foram reflexo de uma má divulgação da Faculdade ou se isso foi uma decisão deliberada das pessoas enquanto indivíduos pretensamente autônomos. Ou ainda se a frequência foi efeito de um automatismo: só se assiste àquilo que é alardeado pela mídia; no caso a ortografia.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Frases feitas II

Na esteira da postagem anterior me lembrei da padaria que visitei há algum tempo junto com meu patrão. Entre as frases feitas afixadas na parede, uma clássica: "Promoção: peça fiado e ganhe um não."

O que me assusta é que na mesma parede havia um cartaz feito à mão numa letra que se pretendeu caprichada dizendo que o cliente não poderia ficar mais de trinta dias sem acertar a caderneta. Aí pergunto: a frase se sobrepõe ao cartaz? Ou este se sobrepõe a ela? Ou ainda, nada se sobrepõe.

Talvez os dois discursos apenas se completem nessa decoração típica dos pequenos estabelecimentos brasileiros e sua falta de um bom discurso. Além da falta de alguns produtos básicos. Ou a falta de troco, que muitas vezes inviabiliza a venda. Enfim...

"Essa eterna falta do que falar..."

A manchete de uma revista dessa semana traz a pergunta: "Por que os cachorros viraram gente?"

Não perdi tempo de ler a matéria. A mim parece tão claro que essa transformação de bicho em ser humano decorre dessa mentalidade egoísta dos nossos tempos. Sim, egoísta. Mima-se um cão porque ele, ao contrário de um filho, não irá para a escola, não terá amigos para baladas e, em consequência, não representará gastos extras.

Egoísta também porque um animal não pode colocar para seu dono as inúmeras questões envolvidas nas relações interpessoais. Um animal não nos força a mudar as nossas convicções pessoais. Não nos desafia a entender suas atitudes. Até porque um cachorro não agiria com motivação financeira ou por vingança, por exemplo.

E assim a coisa foi rolando até chegar a isso que temos hoje: os cães são membros de uma família cuja estrutura inexiste. E, para ocupar essa posição foram cruelmente podados de sua animalidade. São humanos, pois.

Mas ontem, assistindo a TV Globo (especificamente o "Fantástico") descobri que dar aos cães um papel mais pronunciado pode ter um outro fundamento. Aliás, um outro fundamento oportunista. Porque para mim, exibir no mesmo programa duas reportagens protagonizadas por cachorros só pode ser sinônimo de uma falta do que dizer. Uma mesma eterna falta do que falar.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Exercícios memorialísticos

Ontem nos foi dada na disciplina de Filosofia da Educação uma tarefa instigante: traçar um memorial de nossa trajetória escolar para dele tirar assuntos para as aulas do semestre.

Como exemplo de memorial o professor citou o "de Aires" (que, pasmem, havia alunos de Letras que nunca nem ouviram falar...) e eu citei o "do Convento". Esquecemos do Memorial de Maria Moura. E pode ser que mais outros tenham ficado de fora... Contudo, não importa.

O que realmente importa é saber se nós temos condições de olhar tão distanciadamente fatos ainda recentes e ressignificá-los à luz de uma reflexão imparcial e lúcida...

terça-feira, 3 de março de 2009

Volta às aulas ou do blecaute que nos aturdia

Ontem, 02 de março, a Universidade Federal retornou às aulas. À parte o trote (para o qual já existe até taxa para abrandamento), os alunos do noturno não tiveram aulas.

Por conta, dizem, de um transformador que pegou fogo; a cidade inteira ficou às escuras. O problema é que naquele momento mesmo do apagão não sabiam-se as causas possíveis, não havia sequer sinal de chuva para culpar os raios. Aliás, as aulas sim é que foram para o "raio que os parta". Até porque era insustentável prosseguir conversando sobre o livro a ser adotado no semestre à luz de celulares e outras modernidades multiuso, que são até lanternas nessas horas dificultosas.

Uma vez liberados os alunos pela professora - desesperançada a respeito do retorno da energia - saí rumo ao centro da urbe. Até a metade do caminho pude contar com uma carona. Achei algo assustador dirigir por essas ruas escuras numa noite ampliada pelo caos e aturdimento. Mas, mais assustador ainda, foi me deslocar pelo tumulto das ruas.

Há algo de cruel nessa cegueira de olhos abertos, nessa visão apenas de vultos. Quer dizer, cada um de nós era também um vulto na multidão. E éramos vultos que precisavam de um mínimo de cooperação para atravessar a rua em grupo, para ficar nos pontos de ônibus em grupo e para passar por degraus e escadas sem atropelos, desviar-se de buracos... Mas, conseguimos, mesmo com o orgulho e a rapidez e a estupidez de nossos dias reencontrar uma certa gentileza perdida.

Claro, houve também o lado desesperador da história, que foi vivido pelas pessoas que estavam em elevadores no momento do blecaute. E também nas fábricas, que tiveram de parar (e até perder) a produção num contexto de crise internacional que, certamente, dará ensejo a novas e maiores demissões que serão creditadas a essa repentina escuridão.

Ao fim de uma hora de total breu, as luzes pouco a pouco voltaram. Ouviam-se gritos de comemoração pelas ruas. Eu vejo apenas um motivo de comemoração e ele é um pouco menos luminoso: o ser humano pode ser que ainda tenha salvação.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Reajuste, reajustagem ou politicagem?!

A imprensa escrita daqui de Juiz de Fora dedicou ontem as manchetes de suas publicações ao aumento (abusivo) da tarifa pelo fornecimento de água na cidade. Salvo engano de memória, é um aumento na casa dos 16%, maior, portanto, que o percentual aumentado no salário mínimo.

O que me assusta, além do percentual, é a cara de pau desse povo. Já não lhes parece suficiente que a população pague a taxa por coleta de esgoto (que nem chega a ser tratado) no mesmo valor que a do fornecimento de água?!

Possivelmente será assim, pelo aumento de taxas de serviços básicos (e essenciais), além claro do aumento do IPTU e das taxas para emissão de alvará e outras documentações...; que a Prefeitura sairá do vermelho. Pelo menos uma coisa é boa: eles não pretendem aumentar a passagem de ônibus: os estudantes terão temas mais originais para seus manifestos.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Diferentes visões da chuva

Meu dileto amigo Danilo, em postagem no seu blog (http://objetoachado.blogspot.com), trata também do tema das chuvas - aqui comentado em duas ocasiões.

Mas ele, embalado por amores e felicidades, vê o espetáculo com mais cores e menos desilusões que eu. E estou aqui pensando: qual é a chuva que de fato existe? Essa, cálida e afetuosa, que molha os apaixonados que saem justamente pra esse banho a dois ou a outra, dura e implacável, que arrasta tudo e todos na enxurrada?! Qual delas?!

Talvez existam as duas. Mas o ideal era que nós víssemos apenas a primeira. A natureza devia ser mãe (como de fato foi por muito tempo) e brindar-nos com seus espetáculos e suas benesses.

Mas não. Hoje a natureza é uma madrasta (ou mesmo um pai rigoroso) e castiga os homens pela sua inconsequência. As águas não fecham apenas o verão. Por falta de investimentos públicos, elas fecham ruas, túneis, casas nas encostas. Temos muitos Zelões por aí. Hasta quando?!

Assistência religiosa

Por detrás dessa expressão enorme, se esconde um ato simples: estender a mão a quem precisa. Mas a mão deveria estender-se sozinha, sem que nenhuma outra parte do corpo a acompanhasse. Estender a mão deveria se limitar a isso. Porém, além da mão, estendemos também o olhar. Queremos mesmo assistir, reparar.

E, à visão de tantas dores alheias, sente-se vergonha das nossas reclamações e lamúrias... Nossas pequenas pelejas cotidianas. Não temos problema algum. Pelo menos nenhum de tal gravidade que nos imobilize numa cama. Ainda sob os efeitos de uma assistência dada ontem, escrevi o seguinte poema, intitulado "Horas de dor":

Eram tantos relógios, cada um com seu passo
todos a marcar uma mesma hora.
Eram tantos relógios, e uma sensação enorme de atraso.
Eram tantos relógios, mas quanta demora!

Tantos relógios a tiquetaquear.
Tantos. Que algaravia!
E no entanto é longa a noite.
Essa paciente acaso verá o dia?

Dor, a pobre tem espamos de dor. E chora.
Tudo lhe dói. Tudo.
Dói, dói, dói, dói, dói...
Doze badaladas doloridas, longas, sofridas
doze vezes a relembrança da vidraça partida.

As pessoas passam na rua,
Ela revê os estilhaços na pele sua.
E, à dor física, junta-se esse medo da morte.

"Cansei de sofrer dor", ela me diz,
e ali estão os ponteiros por testemunha.
E fazem também o papel de algoz. E o de juiz.
Insensíveis ao drama que se desenrola,
eles apenas prenunciam má sorte:
Dói, dói, dói, dói, dói...


Crédito da imagem: http://www.kurya.com.br/?edicao_num=234&i=noticias/edicoes.php

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Chuvas de verão II

À parte eventuais brincadeiras como a instituição do "ratobol" como novo esporte nacional, a situação das chuvas é de fato preocupante.

Aí, remexendo antiguidades musicais, decidi trazer para aqui trechos de duas canções que tratam desse tema de modo mais próximo ao que estou sentindo: desolação... Ei-las:

Zelão (Sérgio Ricardo)

(...) Choveu... Choveu
A chuva jogou seu barraco no chão
Nem foi possível salvar violão
Que acompanhou morro abaixo a canção
Das coisas todas que a chuva levou
Pedaços tristes do seu coração

Mas todo o morro entendeu quando Zelão chorou
Ninguém riu, ninguém brincou e era carnaval

Agüenta a Mão, João (Adoniran Barbosa / Hervé Clodovil)

Não reclama
Contra o temporal
Que derrubou teu barracão
Não reclama
Güenta a mão João
Com o Cibide
Aconteceu coisa pior

Não reclama
Pois a chuva
Só levou a tua cama
Não reclama
Güenta a mão João

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Chuvas de verão

Antes, quando eu ouvia "Águas de Março", com Elis & Tom, chegava a acreditar que há beleza e sentido no espetáculo das chuvas de verão. Mas, a cada dia, essa sensação antiga e de apreciação artística vai sendo relegada a um segundo plano.

Porque, hoje, na maioria das cidades chuva é sinônimo de caos e confusão. Não vou aqui me deter na situação das casas construídas em local irregular, do lixo nas ruas, do desmatamento de encostas. Nem quero também jogar a culpa para cima da Defesa Civil, que se enrola com atender variados chamados em locais os mais diversos. Além, claro, dos trotes. Não; nada disso me importa agora. Num primeiro momento quero me ater à situação do trânsito aqui em minha cidade: Juiz de Fora.

Juntemos uma frota cada vez maior de carros; crianças saindo da escola, trabalhadores (sa)indo do (ou para o) trabalho, ônibus urbanos lotados, etc. e tal. Já teríamos com isso suficientes motivos para uma confusão generalizada em nossas ruas estreitas e mal planejadas onde veículos, pedestres e ambulantes dividem mal e mal um espaço precário.

Mas, como é possível piorar ainda um pouco mais, para o recheio deste bolo de horrores, acrescentemos muita água caindo do céu, ruas alagadas e intransitáveis: aí sim temos caos, buzinaço e engarrafamentos. Além de ônibus atrasados, gente estressada e roubos oportunistas.

Sexta-feira, dia 06 de fevereiro, São Pedro decidiu faxinar o andar de cima e, conseqüência óbvia, mandou o aguaceiro aqui para baixo. Foram mais de noventa minutos de trovoadas e picos de luz. E água caindo. As pessoas se espremendo nas marquises, os carros em marcha lenta, táxis disputados a tapa. E água caindo.

O bacana, penso eu, é o espírito criativo dos brasileiros. No meio de tantos transtornos conseguiu-se inventar uma nova modalidade esportiva: o "ratobol". Funciona assim: quando os roedores saem das bocas de lobo entupidas, os homens os chutam com força e as mulheres gritam (estão torcendo ou estão assustadas??!). Ainda não criaram traves nos pontos de ônibus e nem juízes, mas já se recolheu uma meia dúzia de assinaturas para pedir a legalização do esporte. Aguardemos.

Créditos da imagem: Elis Regina e Tom Jobim, artistas citados no início do post, em foto tirada possivelmente em 1974, época em que gravaram um antológico disco juntos. Fonte aqui: www.antoniocarlosjobim.org

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Frases feitas

Hoje foi um dia algo diferente para mim em termos profissionais: saí do confinamento do escritório na parte da manhã para visitar clientes. Atividade pouco usual, mas da qual não pude esquivar-me.

O que primeiro chamou a minha atenção foi uma estranha sensação de deslocamento ao (re)conhecer de perto, ao vivo, determinados lugares e pessoas que, até então, eram apenas vozes ao telefone e nomes no sistema de lançamentos.

Mas fiquei cismado mesmo foi com uma padaria de bairro que visitamos. Estava vazia, pelo adiantado da hora. Viam-se doces, confeitos, pães e bolos. Uma ou outra mosca voando no ar quente de quase meio-dia. Tudo normal. O problema é a minha mania de sempre ler tudo.

E, percorrendo as paredes com os olhos, vi algumas frases feitas. Tipo: "a inveja é como o sapo, tem olhos grandes e vive na lama." Estou pensando: será que a lama não estaria posta para aqueles que tanto se preocupam com a opinião alheia?! E ainda: será que esse tipo de frase, pregada na parede atrás do balcão, impediria a influência de hipotéticos maus fluidos que atingem quem neles acredita?!

Honestamente que não sei; nunca me preocupei com esse tipo de coisa. O que de fato é preocupante é essa decoração de frases feitas que vários estabelecimentos por esse mundo afora exibem e que deixam claro uma falta do que dizer.

Créditos da imagem: Ilustração de Mário Pinto no livro "As Fábulas de La Fontaine", 3 vol., Ed. Pedagógica Brasileira, SP, s/d, pág. 122 - com comentários de José Arruda Penteado. Fonte aqui: http://www.brasilcult.pro.br/historia/historia.htm.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Globalização?!

José Saramago, no que considero ser uma de suas melhores páginas, assim define o caráter corruptível do ser humano:

"De cada vez, sabemos, foi o homem comprado e vendido. Cada século teve o seu dinheiro, cada reino o seu homem para comprar e vender por morabitinos, marcos de ouro e prata, reais, dobras, cruzados, réis, e dobrões, e florins de fora. Volátil metal vário, aéreo como o espírito da flor ou o espírito do vinho: o dinheiro sobe, só para subir tem asas, não para descer. O lugar do dinheiro é um céu, um alto lugar onde os santos mudam de nome quando vem a ter de ser (...)”.

E de fato assim é.

Dia desses, sentado na cozinha de casa lendo a correspondência, escutei tocar um samba na televisão - invariavelmente ligada com som alto - e me levantei para olhar. E com que surpresa eu vi vendido o talento de um (bom(?)) sambista que se contentava em fazer rimas pobres com os nomes de programas da emissora antes toda-poderosa.

Digo antes porque, apesar desse golpe publicitário de jogar com as palavras e insinuar que a globalização é o ato de assistir à TV Globo, sabemos que a mídia televisiva cada vez atrai menos o brasileiro. A qualidade da programação é cada vez pior e, na medida das suas posses, cada família prefere os canais fechados ou a internet. Ou mesmo assistir dvd’s pirateados comprados na feirinha da esquina.

Eu estaria sendo idealista se desejasse que essa gente trocasse a televisão pela leitura? Livros trazem muito mais conteúdo que, por exemplo, os “grandes irmãos” e têm a vantagem de nos tirar deste mundo pretensamente globalizado e nos levar a reinos mais lógicos, justos e sem falsas verdades.

Marcas

Não pretendo aqui falar daquele nome distintivo de um produto que, muitas vezes, serve apenas para aumentar o seu preço e nos obrigar a uma publicidade gratuita. Gratuita? Não. Adquirir coisas de determinadas marcas dá à pessoa um status quo que é muito valorizado pela sociedade de aparências de hoje. Mas, não é a isso que quero me referir.

Tampouco está entre as minhas intenções falar de cicatrizes e arranhões: marcas que a "vida" costuma nos legar quando andamos por aí às tontas a esbarrar com os objetos. São marcas mais comuns na infância e não estou aqui para falar de crianças. E não é ainda esse tipo de marca que me interessa.

O que, de fato, me interessa é a "marca" que cada pessoa deixa (ou pretende deixar) no mundo. Porque em geral as pessoas vivem suas vidas medianamente, fazendo por onde não serem esquecidas apenas pelos seus familiares e amigos próximos. Mas há aquelas que, movidas por algum impulso meio misterioso, decidem que querem ser lembradas por alguém mais, pela humanidade toda se possível. Ainda que seja lembrança fugaz como as luzes das câmeras dos noticiários.

É isso que nos leva a ver, por exemplo, um bando de gente banal a dizer-se "grandes irmãos" por aí. Também por isso que vejo, com tristeza, pixações numa ponte recém pintada aqui de minha cidade. Será que o cidadão que fez isso pensa ser essa a melhor marca que ele pode deixar no mundo?

Eu gostaria de gente que deixasse marcas melhores e mais dignas. Que não se preocupassem em ser notadas apenas em caráter de exceção. Porque, como está na Bíblia, no final haverá escândalo, mas ai daquele por quem vier o escândalo.

Crédito da imagem: http://www.pichacao.com/