domingo, 29 de março de 2009

Dança das cadeiras

Antes de mais nada cabe aqui a explicação de que este texto não é muito atual. Eu o escrevi no final de 2007, quando trabalhava no departamento pessoal do escritório e tinha entre as minhas atribuições sair para buscar informações em órgãos públicos ou então para coisas menos nobres como por exemplo acompanhar funcionários que não conseguiam auxílio doença. Como se eu fosse alguma espécie de talismã.

O problema é que eu nunca tive vocação para amuleto. E o único proveito que eu tirei disso tudo foi o texto abaixo. A ironia extrema a me salvar do marasmo rotineiro:

“A dança das cadeiras ou tática do governo para não-concessão de benefícios”

“Alô, alô, marciano
a coisa tá ficando ruça”

(Alô, alô, marciano – de Rita Lee e Roberto de Carvalho)

Meu trabalho não é um primor. Aliás, nunca é. E não será talvez jamais. Mas há as compensações e são elas que nos salvam e algumas vezes nos esclarecem. O quê?

Esclarecem, por exemplo, sobre o funcionamento da máquina governamental e quais os artifícios ela usa para reter dinheiro. Quem já foi ao INSS ou ao Ministério do Trabalho saberá do que estou falando. As filas nesses lugares são em cadeiras, numa média de trinta. Cada um que se levanta; os outros vinte e nove têm de saltar para a cadeira seguinte – então vaga. E assim sempre, numa sucessão tal que quem está mais para o final fica dividido entre levantar e mudar de cadeira ou arrastar o traseiro de uma (cadeira) a outra, o que, convenhamos, concorre para que a roupa rasgue.

E digo mais, esse estado de coisas dá sono e irrita e frustra. Quem não tem força de vontade suficiente para lutar pela ninharia de um auxílio-doença ou seguro-desemprego desiste. Eu acho que eu desistiria. Se há soluções? Talvez. Mas quem vai enfrentar uma dança das cadeiras em Brasília para apresentar reclamatória ao Presidente?

Créditos da imagem: Essa foto circulou nos mais diversos meios de comunicação quando do auge das investigações sobre o "mensalão". A deputada Angela Guadagnin (PT-SP) dançou para comemorar a absolvição de um de seus comparsas de legenda. Digo, companheiros. Entrementes, o povo DANÇA. Fonte aqui: Dança da impunidade

quinta-feira, 19 de março de 2009

Cultura?!

Cheguei hoje ao trabalho comentando quase extasiado a aula inaugural proferida pelo escritor Affonso Romano de Sant'anna ontem à noite num esvaziado anfiteatro do Instituto de Ciências Humanas da UFJF.

Pois bem, quando eu disse que um dos itens abordados foram os grandes irmãos televisionados pela Vênus Platina, uma das colegas me disse: imagine você que ontem o Bial afirmou que o programa é cultura, educação e empreendedorismo.

Caro Bial, permita-me corrigi-lo: o programa que você dirige do alto de sua prepotência é cultura sim, mas inútil. E é também má educação, ou antes, uma completa falta de educação. Quanto ao empreendedorismo, somente são empreendedores aqueles que tomam iniciativas, aqueles que iniciam algo. E, geralmente, algo de positivo.

Mas ali, naquela casa espúria, a única iniciativa possível é a inércia. Acaso empreendem algo essas pessoas que nada fazem durante dias inteiros e repetidos? Ali a única atividade possível é macaquear o dia inteiro para câmeras indiscretas em troca de um prêmio de valor muito alto. Alto demais se pensarmos que os pais de família têm de sustentar seus filhos com irrisórios R$ 460,00.

Crédito da imagem: Essa imagem eu localizei em um outro blog (http://calidri.spaceblog.com.br/257574/Cultura-Geral-Coisas-que-VC-Precisa-Saber/) e achei que os conhecimentos elencados lá ainda são, de longe, melhores e mais úteis que outros veiculados no programa dos "Grandes Irmãos".

A autonomia do sujeito e o público em palestras

Esta semana vem sendo muito produtiva: a Universidade Federal de Juiz de Fora, mais especificamente a Faculdade de Letras, recebeu um renomado lingüísta e um celebrado escritor para as aulas inaugurais do curso de Letras e da pós-graduação em Estudos Literários.

Sim, na última terça (17) tivemos a aula inaugural do curso proferida pelo professor José Luiz Fiorin acerca da reforma ortográfica e ontem (18) Affonso Romano de Sant'Anna completou a agenda falando da autonomia do sujeito e a arte.

Bom, não tentarei aqui reproduzir as falas deles, até porque me falta competência para tanto. O que gostaria era de saber se os públicos diferentes que cada palestrante congregou ao redor de si foram reflexo de uma má divulgação da Faculdade ou se isso foi uma decisão deliberada das pessoas enquanto indivíduos pretensamente autônomos. Ou ainda se a frequência foi efeito de um automatismo: só se assiste àquilo que é alardeado pela mídia; no caso a ortografia.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Frases feitas II

Na esteira da postagem anterior me lembrei da padaria que visitei há algum tempo junto com meu patrão. Entre as frases feitas afixadas na parede, uma clássica: "Promoção: peça fiado e ganhe um não."

O que me assusta é que na mesma parede havia um cartaz feito à mão numa letra que se pretendeu caprichada dizendo que o cliente não poderia ficar mais de trinta dias sem acertar a caderneta. Aí pergunto: a frase se sobrepõe ao cartaz? Ou este se sobrepõe a ela? Ou ainda, nada se sobrepõe.

Talvez os dois discursos apenas se completem nessa decoração típica dos pequenos estabelecimentos brasileiros e sua falta de um bom discurso. Além da falta de alguns produtos básicos. Ou a falta de troco, que muitas vezes inviabiliza a venda. Enfim...

"Essa eterna falta do que falar..."

A manchete de uma revista dessa semana traz a pergunta: "Por que os cachorros viraram gente?"

Não perdi tempo de ler a matéria. A mim parece tão claro que essa transformação de bicho em ser humano decorre dessa mentalidade egoísta dos nossos tempos. Sim, egoísta. Mima-se um cão porque ele, ao contrário de um filho, não irá para a escola, não terá amigos para baladas e, em consequência, não representará gastos extras.

Egoísta também porque um animal não pode colocar para seu dono as inúmeras questões envolvidas nas relações interpessoais. Um animal não nos força a mudar as nossas convicções pessoais. Não nos desafia a entender suas atitudes. Até porque um cachorro não agiria com motivação financeira ou por vingança, por exemplo.

E assim a coisa foi rolando até chegar a isso que temos hoje: os cães são membros de uma família cuja estrutura inexiste. E, para ocupar essa posição foram cruelmente podados de sua animalidade. São humanos, pois.

Mas ontem, assistindo a TV Globo (especificamente o "Fantástico") descobri que dar aos cães um papel mais pronunciado pode ter um outro fundamento. Aliás, um outro fundamento oportunista. Porque para mim, exibir no mesmo programa duas reportagens protagonizadas por cachorros só pode ser sinônimo de uma falta do que dizer. Uma mesma eterna falta do que falar.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Exercícios memorialísticos

Ontem nos foi dada na disciplina de Filosofia da Educação uma tarefa instigante: traçar um memorial de nossa trajetória escolar para dele tirar assuntos para as aulas do semestre.

Como exemplo de memorial o professor citou o "de Aires" (que, pasmem, havia alunos de Letras que nunca nem ouviram falar...) e eu citei o "do Convento". Esquecemos do Memorial de Maria Moura. E pode ser que mais outros tenham ficado de fora... Contudo, não importa.

O que realmente importa é saber se nós temos condições de olhar tão distanciadamente fatos ainda recentes e ressignificá-los à luz de uma reflexão imparcial e lúcida...

terça-feira, 3 de março de 2009

Volta às aulas ou do blecaute que nos aturdia

Ontem, 02 de março, a Universidade Federal retornou às aulas. À parte o trote (para o qual já existe até taxa para abrandamento), os alunos do noturno não tiveram aulas.

Por conta, dizem, de um transformador que pegou fogo; a cidade inteira ficou às escuras. O problema é que naquele momento mesmo do apagão não sabiam-se as causas possíveis, não havia sequer sinal de chuva para culpar os raios. Aliás, as aulas sim é que foram para o "raio que os parta". Até porque era insustentável prosseguir conversando sobre o livro a ser adotado no semestre à luz de celulares e outras modernidades multiuso, que são até lanternas nessas horas dificultosas.

Uma vez liberados os alunos pela professora - desesperançada a respeito do retorno da energia - saí rumo ao centro da urbe. Até a metade do caminho pude contar com uma carona. Achei algo assustador dirigir por essas ruas escuras numa noite ampliada pelo caos e aturdimento. Mas, mais assustador ainda, foi me deslocar pelo tumulto das ruas.

Há algo de cruel nessa cegueira de olhos abertos, nessa visão apenas de vultos. Quer dizer, cada um de nós era também um vulto na multidão. E éramos vultos que precisavam de um mínimo de cooperação para atravessar a rua em grupo, para ficar nos pontos de ônibus em grupo e para passar por degraus e escadas sem atropelos, desviar-se de buracos... Mas, conseguimos, mesmo com o orgulho e a rapidez e a estupidez de nossos dias reencontrar uma certa gentileza perdida.

Claro, houve também o lado desesperador da história, que foi vivido pelas pessoas que estavam em elevadores no momento do blecaute. E também nas fábricas, que tiveram de parar (e até perder) a produção num contexto de crise internacional que, certamente, dará ensejo a novas e maiores demissões que serão creditadas a essa repentina escuridão.

Ao fim de uma hora de total breu, as luzes pouco a pouco voltaram. Ouviam-se gritos de comemoração pelas ruas. Eu vejo apenas um motivo de comemoração e ele é um pouco menos luminoso: o ser humano pode ser que ainda tenha salvação.