quinta-feira, 4 de junho de 2009

Uma reflexão sobre “A Igreja do Diabo”, de Machado de Assis

            O conto A Igreja do Diabo, coligido por Machado de Assis na coletânea “Histórias sem data”, de 1884, ainda hoje parece confirmar a afirmação do filósofo: “o homem é a medida de todas as coisas”.
            O próprio Machado diz, na advertência da obra, que a maioria dos trabalhos nela reunidos tem data, mas que a suposição de que seu objetivo seja “definir estas páginas como tratando, em substância, de coisas que não são especialmente do dia, ou de um certo dia” permite entender o título que ele atribui. Ou seja, o título da coletânea se justifica com o fato de tratar-se de histórias sobre coisas de todos os tempos. E que há de mais antigo no mundo, porém ainda atual, que o duelo entre o Bem e o Mal?
            No conto em questão, o Diabo considera a possibilidade de fundar uma Igreja que combata todas as outras doutrinas existentes, partindo da premissa de que “há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo”.  Decidido, ele procura Deus e comunica desafiadoramente seu objetivo.
            Uma vez estabelecida, a nova igreja arrebata todos os fiéis de suas rivais com uma pregação que os incita à prática dos chamados pecados capitais: gula, inveja, avareza... O grande problema é que, depois de algum tempo, a quantidade de adeptos entra a diminuir.
            Sem “refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análoga ao passado”; Lúcifer retorna à presença do Criador para questioná-lo sobre o porquê desse acontecimento. O Altíssimo calmamente lhe explica que a “eterna contradição humana” é a responsável pelo fenômeno.
            Esta contradição costuma ser explorada com freqüência nos escritos machadianos, como no conto Entre santos, publicado no volume “Várias Histórias”. Neste outro texto, um dos santos (Francisco de Sales) afirma: “Os homens não são piores do que eram em outros séculos; descontemos o que há neles ruim, e ficará muita cousa boa”.
            Quer nos parecer que esta relativização das certezas, tão destoante do cientificismo do século XIX, esta consideração da volubilidade do caráter do ser humano, perceptível nesses dois textos em que o autor se apropria de personagens da seara da religião, constitui ponto de particular interesse mesmo agora.
         Neste início de século XXI, quando o fundamentalismo religioso e ideológico quase sempre nos encaminha para a intolerância e a luta armada, talvez seja oportuno reler Machado de Assis. Depois de ler a obra do Bruxo do Cosme Velho nos fica a pergunta: por que esperar tanto do ser humano?           

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