quarta-feira, 29 de abril de 2009

Análise do poema “O ovo de galinha”; de João Cabral de Melo Neto

Apresento a seguir um trabalho elaborado há um ou dois períodos passados para a disciplina de Teoria da Literatura II. Não está grandes coisas (faltam, por exemplo, as referências bibliográficas), mas para que o trabalho não se perca, o estou trazendo para cá. Espero que gostem!


O ovo de galinha, de João Cabral de Melo Neto


O texto em análise é uma série de quatro poemas unidos por um título comum, nos quais um mesmo objeto – o ovo – é descrito através de uma visão  (por vezes também um tato) impessoal que opera diferentes enunciados de antíteses e comparações:

“Sem possuir um dentro e um fora,
tal como as pedras, sem miolo:
é só miolo: o dentro e o fora
integralmente no contorno.” (grifo nosso)

, ou,

“[...]a mão que o sopesa descobre
que nele há algo suspeitoso:

que seu peso não é o das pedras,
inanimado, frio, goro;
que o seu é um peso morno, túmido,
um peso que é vivo e não morto.” (grifo nosso)

Neste trabalho analisaremos o poema à luz das teorias do formalismo russo, mais especificamente as que dizem respeito ao uso das figuras de linguagem, pois o autor elaborou seu texto transpondo qualidades de elementos humanos e naturais ao ovo, fazendo descrições inconvencionais, como se pode observar também na leitura do segundo poema:

II

O ovo revela o acabamento
a toda mão que o acaricia,
daquelas coisas torneadas
num trabalho de toda a vida.
E que se encontra também noutras
que entretanto mão não fabrica:
nos corais, nos seixos rolados
e em tantas coisas esculpidas

cujas formas simples são obra
de mil inacabáveis lixas
usadas por mãos escultoras
escondidas na água, na brisa.

No entretanto, o ovo, e apesar
de pura forma concluída,
não se situa no final:
está no ponto de partida.

Os formalistas, partindo do princípio de perceptividade (figuração) deixados por Potebnia, irão definir a linguagem poética como um construto distinto da linguagem coloquial/quotidiana devido apresentar particularidades acústicas (ritmo), articulatórias e/ou semânticas. (grifo nosso) Na linguagem poética, diz Iakubinski, “a finalidade prática passa a segundo plano e as interligações verbais adquirem valor intrínseco.” (in: LIMA, 1983, p. 445).

Dentro dessa concepção, cabe aqui destacar que o uso de antíteses e comparações pelo poeta faz com que o leitor veja o ovo de um modo inteiramente diverso do usual. Isso nos aproxima de outro conceito formalista que é o de estranhamento – a arte sendo instrumento para quebrar a identificação automática que o leitor faz do objeto descrito no poema. Ou, como diz Eikhenbaum (in: TOLEDO, 1976, pp.14,15): “A arte é compreendida como um meio de destruir o automatismo perceptivo, a imagem não procura nos facilitar a compreensão de seu sentido, mas criar uma percepção particular do objeto, busca a criação de sua visão e não de seu reconhecimento.” (grifo nosso)

Prolixidade e concisão

Qual seria a maneira melhor e mais correta de comunicar-se com o outro nessa correria nossa de cada dia?! Uma tão direta quanto foi essa pergunta?

Ou o ideal seria uma maneira rebuscada - cheia das mais variadas intervenções -, focada não apenas na mensagem, mas na forma mais bela, mais preciosa de arranjar as palavras?

A pergunta, para mim, não tem resposta possível. Em primeiro lugar porque acredito não caber dúvida sobre o fato do brasileiro ser, em essência, um misto de barroco e parnasiano que se delicia com o rebuscamento e a exuberância de um discurso. Porém, num segundo momento, considero a pressão moderna pelo que é rápido, simples, não toma tempo.

A verdadeira pergunta, ao meu ver, não deveria incidir sobre a forma das frases que escrevemos e pronunciamos. Não. Forma é estilo e estilo é coisa pessoal. O que, de fato, importa é termos um mínimo de sensibilidade para compreender o outro.

Porque não podia haver motivo mais tolo para uma discussão do que discordar da opção que um ou outro faz entre a prolixidade e a concisão.

sábado, 25 de abril de 2009

Sobre cortes de cabelo e um poema de Cecília

Chegando à faculdade na última sexta-feira reparei, de imediato, que um dos intercambistas japoneses cortou as madeixas. Num movimento de aproximação e simpatia, fiz o comentário de praxe, destacando que eu prestei atenção nele.

Pausa.

Ele me disse que não queria comentar sobre o corte porque não lhe pareceu bom. A dificuldade com o idioma impediu que orientasse adequadamente o barbeiro e o serviço foi feito diferente do esperado. De qualquer modo acho que ficou bom, e repeti o comentário. Com perceptível mau estar.

Depois, em casa, parei para pensar que comigo aconteceu algo semelhante: troquei de salão recentemente, porque meu barbeiro habitual estava ficando catacego. E na última vez em que fui a esse novo lugar a pessoa que me atendeu mudou o feitio do corte e, com isso, aumentou as entradas que eu tenho.

Eu não gostei, o pessoal de casa tampouco. E já havia me resignado a deixar o cabelo crescer para cobrir o ponto falhado. Até que ouvi de uma professora que estava bom. Ou seja, o mesmo que aconteceu com meu colega estrangeiro. Mas o comentário dela não era apenas simpático; ela inclusive achava que a mudança me deixou mais jovial.

Olhei, então, por outro ângulo e me consolei com um poema de Cecília Meireles, em que ela detalha para um pintor: "como tenho a testa sombria,/derrame luz na minha testa."

Para a luz chegar até minha testa, os poucos cabelos tiveram de sair.

domingo, 19 de abril de 2009

Movimentos estudantis na UFJF

Eu havia escrito um enorme post sobre as eleições do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFJF, mas um pico de luz me fez perder todo o trabalho. Como não se trata de assunto que desperte demasiado meu interesse não me preocupei com recuperar o texto. Não vale a pena.

O que de fato precisa ficar registrado é que a disputa foi polarizada por duas das três chapas concorrentes. A terceira serviu apenas para receber críticas de todos os lados. Embora eu tenha a impressão de que todas elas devem ser criticadas, porque montar uma chapa apenas pra ter cinco minutos de fama, não resolve. Tampouco resolve elencar propostas vazias e assumir "lutas" que não são apenas dos estudantes, como é o caso do preço das passagens de ônibus.

Venceu a oposição (chapa 02), com as promessas de um novo enredo. Mas a considerar a reação de um dos eleitos - pego de surpresa pelo resultado das urnas -, vejo apenas uma reedição de um enredo antigo. Exibido em um novo desfile de inoperância. Sob os aplausos da ilusão.

sábado, 11 de abril de 2009

Planejamentos naufragados

Recebemos visitas ontem em casa e um dos tópicos foi a chuva forte que desabou sobre a cidade na última terça-feira. Na verdade a postagem é por conta da chuva e não da conversa. Esta última apenas serviu de estopim, já que foram os desencontros da terça-feira que me fizeram afirmar com certeza plena em qual dia tinha se dado o pequeno dilúvio.

Digo dilúvio porque quando chove demais a água começa a formar rios nas calçadas por conta de bocas de lobo entupidas por sacolas de lixo que aguardavam a passagem do caminhão da coleta. Eu fiquei ilhado em uma loja sem ter como me mover por entre aquele mar imprevisto.

E como a água não parasse de cair do céu e muito menos de subir pela calçada, fui me deixando ficar onde já estava; ouvindo os lamentos insuportáveis de gente que tanto ou mais que eu é culpada pelo caos que reinava.

Quando as coisas voltaram à sua aparente normalidade e as águas desceram esgoto abaixo, vi que com elas se ia minha intenção de passar na biblioteca municipal e a de me encontrar com um amigo e a de chegar na faculdade a tempo para as aulas. É frustrante.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Entre a tradição e a modernidade

Na aula de Filosofia da Educação ocorrida ontem tivemos um princípio de discussão que promete render: as vantagens e desvantagens de trocar uma aula tradicional, focada na transmissão de conteúdos, por uma outra que se baseie principalmente no diálogo e na construção conjunta do conhecimento.

Alguns defendem com veemência a troca, vendo nela aspectos ultra positivos. Eu, sem ser totalmente contra, sou obrigado a duvidar que a troca de fato ocorra. Para mim, mudam-se os conteúdos (como agora está para acontecer com a possível adoção do Enem como vestibular), mas mantém-se sempre um ensino pouco reflexivo, que é o que se exige para aprovação das pessoas em concursos e nas mais diversas esferas da sua vida.

E, para além disso, somos uma geração ainda criada e educada dentro do modelo estabelecido (e por isso alcunhado de tradicional) e duvido muito que alguns, sem ao menos saber a distinção entre sobre e sob ou sem conhecer os títulos mais elementares de um escritor da estatura de Machado de Assis, duvido muito que tragam contribuições de real valor para essa mudança.

Indo mais longe (e extrapolando a questão meramente educacional), a dinâmica social surge exatamente da tensão entre o novo e o antigo. Os desfiles de escola de samba, por exemplo, são hoje a consequência de uma série de inovações que escolas como Salgueiro, Império Serrano, Beija-Flor e outras fizeram até mais ou menos a década de 1970. Tanto é assim que o trabalho de Paulo Barros nas escolas em que já passou nunca as conduziu ao título. Era novidade demais para os jurados.

Pode ser que no fim quem esteja certo seja o Belchior: depois de tudo tudo que fizemos ainda somos os mesmos, como os nossos pais.

Estranhos sinais

Normalmente, quando se quer prever se um dia será bom ou ruim, verifica-se com que pé se levantou da cama. O caso é que, para sair da minha, eu preciso forçosamente usar o direito: o lado esquerdo da cama é colado à parede.

Preciso portanto de outros indícios mais adequados à minha realidade. Mas quais seriam eles? Os sonhos (que não tenho)? Um pio da coruja que (in)existe sobre meu telhado? Um ventinho mais frio nessa passagem de março a abril? Talvez um gato preto? Quem sabe a cara amarrada da gerente?

Nada disso. Outro dia eu passei pela rua e, ao me ver, um senhor se benzeu. Isso bastou como sinal definitivo de mau agouro. O que será que esse velhinho viu em mim, comigo ou para além de minha pequena compreensão?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Final de tarde

"Final de tarde" é um poema engavetado que fala de amores. Amores impossíveis, mas por isso mesmo poetizados. E postos em verso por alguém que diz não gostar de suas próprias poesias. O problema é que quando a gente volta de uma viagem com ânimo renovado, precisa publicar alguma coisa. Nessa hora é que se desenterram os guardados. Ei-lo:


O céu cinzento de chuva;
eu na rua aguardando
uma condução que não chega.
Não chega nunca.

Quando finalmente ela vem,
para minha total tristeza,
te aproximas também.

Está posto o dilema: ir ou ficar?
Esperar-te ou fugir? Que devo eu fazer?

Talvez eu devesse me deter,
para dizer-te quão profundamente o desejo me queima.
Contar-te sobre esse incêndio
que, apesar de tudo, segue me maltratando.

Talvez eu devesse dizer
o quanto me sinto triste
por conta da enorme saudade
e da insuportável distância.

Talvez...
Mas minhas palavras ficaram guardadas.
Ficaram presas no reino do impossível porque
Pela mão trazes uma companhia.

A esta visão, perdi a minha tão grande vontade de chegar a ti.
Foi a prudência, o clima ou o medo quem me fez embarcar e partir?!

Viajando de ônibus...

Nessa linguagem confusa em que a palavra hoje pode querer dizer ontem por causa do sono, nessa linguagem confusa quero me expressar sobre viagens.

É que viajar no Brasil significa, quase sempre, embarcar num ônibus. Exceto quando se tem como ponto de partida e/ou chegada a região amazônica: lá só é possível se mover em barcos ou a nado. Outra exceção que me vem à mente seriam os casos em que o destino (ou a origem) é o sertão nordestino: nesse caso só se vai ou volta em pau-de-arara. Desnecessário dizer que, pelas dimensões continentais do território, o ideal seria contarmos com trens e pontes aéreas disponíveis. Entendam-me: o ideal. A realidade, infelizmente, é bem distinta e - parafraseando a Fátima Guedes - também não rima.

Pois bem, falei e falei sem nada dizer da viagem que eu empreendi esse final de semana para o Solo Sagrado da Igreja Messiânica.

Essas viagens constituem um tipo de deslocamento pendular que agrega pessoas num templo nos dias de culto, como hoje, e depois as dispersa em direção às suas casas. Eu faço parte do grupo de pessoas que se deslocam por questões de fé. Os problemas começam quando a religiosidade e os bons fluidos cedem lugar às imprecações e lamúrias por conta de um defeito mecânico na condução.

Agora, imaginem essas reclamações sendo feitas num contínuum durante mais de uma hora numa curva de uma estrada estreita e plena de vegetação que foi onde o ônibus resolveu quebrar? É triste, mas foi isso o que aconteceu.

Para evitar maiores transtornos, me fechei no meu silêncio e a partir dele fiz os versos abaixo. São versos irados; mas antes descontar a raiva em uma escrita agônica que numa agressão real. Eis a "obra de arte":


"Ônibus parado ou de pessoas sem compreensão"


A paisagem na janela mudava
mas, agora, já não muda mais.
Ocorreu uma pane qualquer
(dizem que é uma válvula quebrada)
e o povo se desmancha em "ais".

Sabemos que nada pode ser feito,
mas a incompreensão é tal
que se comprazem, os tolos, em julgar mal
os que, lá fora, tentam, sem sucesso,
eliminar o defeito.
Mas qual o problema maior:
o ônibus que não anda,
ou esses lamentos ao meu redor?!

sexta-feira, 3 de abril de 2009

"A máquina do mundo"

Partindo da leitura do episódio da "Máquina do mundo", o último grupo a apresentar os seminários sobre "Os Lusíadas" nas minhas aulas de literatura portuguesa, buscou traçar um paralelo com o poema drummondiano que carrega o mesmo título.

Uma das coisas que eu pude observar (e que certamente não é nenhuma grande novidade, mas tem lá sua parte de razão) é que o homem renascentista tem a revelação dos mistérios desse nosso mundo como sinal claro de que está atingindo o máximo de sua trajetória, como um prêmio último (e merecido) pelos seus esforços. Mas Drummond (e nós todos, homens pós-modernos) renegamos esse saber.

O motivo é simples: nós estamos hoje colhendo o fruto (não muito doce, sem ser de todo amargo) que foi gestado nos infinitos giros desse maquinismo que é tão preciso quanto um relógio suíço. Sua exatidão é tanta que ele até mesmo nos cobra a responsabilidade pelos nossos atos ambiciosos. E o preço é alto.

Créditos da imagem: A Máquina do Mundo, in Margarita Philosophica de Gregório Reisch (1508). Fonte aqui: http://www.portaldoastronomo.org/tema_pag.php?id=37&pag=1