quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Apresentando o Brasil (2)

Apresentei na aula de "Lingüística del Texto y Análisis del discurso" alguns slides sobre o estado de Minas Gerais. A intenção primeira era que eu e Andrej (o alemão que faz intercâmbio nessa mesma universidade em que estou) apresentássemos algum aspecto dos nossos respectivos países. Depois de pensar numa apresentação sobre as músicas brasileiras (com o louvável objetivo de provar que temos outras canções além de "Aquarela do Brasil"); decidi mudar meus planos e falar sobre meu estado natal, que, por não ter praias, é desconhecido por muitos argentinos.

[PÓS ESCRITO][30/09/2015]

Em um desses impulsos de retomada que me é característico, voltei a este espaço e vi que o link para incorporar os slides em questão aqui ao blog já não funcionava. Eles estão ainda disponíveis na minha conta do Slideshare: http://pt.slideshare.net/ailtonjf

E sempre a língua de um país...

E aqui vou me contradizer com relação ao que disse da postura da Ivete Sangalo. Para quem não leu, acho que a moça está certa ao continuar cantando seu repertório em português, sem render-se às pressoes mercadológicas que quereriam impor versões em inglês. Quer dizer, não é exatamente uma contradição, mas eu já inicio o texto dizendo que é para evitar que outros me acusem. Mas, a propósito de que vem tudo isso? Vem por causa de uma viagem recente que fiz a Buenos Aires (Argentina) e da sensação que experimentei ao topar com outros turistas brasileiros, em viagem no exterior.

Os fatos: estou há dois meses fazendo intercâmbio na Argentina. Antes de me decidir a encarar uma temporada no estrangeiro, tive de estudar dois anos o idioma castelhano para não chegar aqui e morrer de fome por não saber pedir a comida. Ainda que algumas coisas formem parte de uma comunicação simbólico-gestual universal, não é seguro arriscar. Além do mais, só com gestos eu acabaria ou comendo sempre as mesmas coisas ou comendo qualquer coisa.

Em Buenos Aires, cidade grande e cosmopolita, que atrai uma quantidade considerável de turistas, encontrei bastantes brasileiros, porque o câmbio, no momento, nos favorece. E encontrar compatriotas em outro país, antes de alegrar-me, me deixou com uma sensação difícil de descrever.

Porque todos os brasileiros que eu vi (tanto em lojas quanto em restaurantes), não sabiam sequer falar bom dia ou pedir um desconto em castelhano. Para diminuir o preço das mercadorias, tentavam todo tipo de expediente, fingindo um desentendimento que estava muito além das eventuais barreiras lingüísticas.

Além disso, num arroubo que tem muito que ver com a idéia de Brasil Grande, tentam pagar tudo em reais, sem sequer se preocupar com perguntar antes se aceitam, como aceitam e com qual valor. E depois reclamam porque o dono da loja está pagando menos que o valor indicado nos jornais...

Conclusão (ou das sensações que não sei explicar): desde que cheguei na Argentina, quando digo que sou brasileiro, me fazem perguntas sobre o presidente Lula. Embora pessoalmente eu seja contra o paternalismo de sua política, que transforma uma quantidade considerável de brasileiros em massa de manobra eleitoral; aqui sou forçado quase cotidianamente a conviver com a imagem de um líder carismático, que prega a união dos países latino-americanos e uma relativa insubmissão frente a EUA e Europa.

Contudo, como e de que modo se pode lograr essa tal "integração latino-americana" (na qual eu próprio passei a acreditar) se nos trâmites mais diários e mais banais do turismo em um país vizinho, as pessoas se fecham no seu próprio idioma, seguindo uma tendência histórica a criar barreiras lingüísticas entre países que estão próximos e compartem histórias e dramas em comum?

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Apresentando o Brasil

Posto aqui um texto que apresentei na aula de "Historia social, política y económica latinoamericana" da Universidad Nacional de Villa María e no qual tento mostrar uma outra visão do Brasil, que está além dos estereótipos que nós normalmente apresentamos ao mundo.

O texto responde a uma crença minha de que cada brasileiro que viaja deve, de alguma maneira, apresentar um Brasil que seja mais que o Brazil das películas estadunidenses, que seja mais que as praias, caras, bocas e bundas das novelas.

Peço desculpas por estar em castelhano, mas me falta ânimo para traduzir ao português. E é bom mesclar os dois idiomas, já que meus eventuais leitores argentinos sempre topam com um blog todo em português que pode lhes custar um pouco a ler.

Literatura y música brasileñas como indicadores de la identidad nacional

Este trabajo tiene por objetivo presentar las distintas visiones que los artistas brasileños tienen de su país como tierra de múltiples razas a partir de la lectura crítica de romances, poemas y canciones que forman parte del imaginario común del país.

1. Primeras ideas de nación mestiza: el país como fruto de la unión de blancos e indios. Literatura de conformación del imaginario colectivo.

En 1873, el escritor brasileño Machado de Assis, señalaba en un texto (“Instinto de nacionalidade”) que se hizo antológico:

“quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não há como negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro.”

Lo que se puede desprender de las palabras del autor de “Dom Casmurro” es que la literatura brasileña a partir, sobretodo, del siglo XIX, estaba preocupada en establecer un legado cultural que tuviera la apariencia de nacional. El proyecto literario de los autores era constituir un patrimonio simbólico que después fuese convertido en herencia para las generaciones futuras. Existía la intención de poblar un imaginario colectivo con mitos, imágenes, héroes...

De Juiz de Fora para o World!

Confirmando o status de atração turística que a condição de estudantes estrangeiros nos confere, foi feita uma entrevista comigo e com Andrej para podermos dizer o que achamos da Universidade Nacional de Villa María. A referida entrevista foi realizada no mesmo dia em que estivemos na reitoria da universidade para uma recepção oficiosa pela vicerreitora. Quem puder, assista, é curtinho!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Cinema argentino (2): Cuestión de principios

Minha segunda incursão pela produção cinematográfica argentina foi em casa de uns amigos que fizemos aqui em Villa María: Gonzalo e Daniel. Normalmente vamos à casa deles nas quartas-feiras à noite (pelo que sou muito agradecido) e quase sempre a programação inclui jogar Play Station. Vez por outra, inclusive porque sou avesso ao brinquedo modernoso, vemos filmes.

E numa dessas quartas-feiras vimos "Cuestión de principios" (2009, Argentina, 115 min.), uma película muito divertida que trata, como diz seu título, de uma questão de princípios. Serei mais explícito: uma questão de confrontação entre os princípios de Castilla, funcionário idoso de uma empresa, e os de Silva, seu novo gerente, um yuppie que acredita que tudo tem um preço.

A trama se arma a partir de algo simples. Silva coleciona uma antiga revista espanhola e lhe falta um número para completar sua coleção. Por casualidade, Castilla possui o exemplar que lhe falta, porém não está disposto a vendê-lo porque neste exemplar está uma foto de seu pai com o rei de Espanha e a revista tem para ele um valor sentimental.

Os escrúpulos do velho Castilla desconcertam o gerente, que faz de tudo para forçá-lo a vender a revista, inclusive apelar para a esposa de seu funcionário, a quem os princípios do marido incomodam muito por forçá-la a uma "vida de privações".

Vale a pena conferir o que ocorre antes de que Castilla "se decida" a vender a revista e o que vem depois. Não que eu faça mistério (até porque é uma comédia), mas seria uma pena estragar o final da história contando-o aqui. Para quem tiver interesse, indico a página oficial do filme: http://www.cuestiondeprincipio.com.ar/

Crédito da imagem: http://www.filmaffinity.com/es/film146673.html

Cinema argentino: Carancho

Estar em outro país para um intercâmbio envolve mais coisas que simplesmente estudar todos os dias na universidade. Uma das maneiras de conhecer esse outro país é se acercar às suas manifestações culturais. No caso da Argentina, não penso propriamente na literatura, que com Borges e Cortázar (para citar apenas dois) já ultrapassou fronteiras e, creio, os brasileiros conhecem. Ao menos de ouvir falar.

Mas, do cinema argentino, me parece que falta conhecimento. E falo por experiência própria. Eu não
tenho lembrança de haver visto anteriormente alguma película dos "hermanos". Apesar disso, as que vi aqui me pareceram bastante razoáveis.


A que vi primeiro chama-se "Carancho" (2010). Foi exibida em um café aqui de Villa María chamado Sol & Luna; um espaço interessante e acolhedor onde, às quartas-feiras, exibem filmes nacionais e estrangeiros. Não cobram um ingresso, porque a expectativa é de que as pessoas consumam algo. Assim, se lhe falta dinheiro, é possível pedir um refrigerante (que mesmo sendo caro aqui na Argentina, cabe no bolso) e assistir ao filme feliz.

Sobre "Carancho": não seria honesto se dissesse que o filme em questão me encantou, mas de todas maneiras tem seus méritos, pois consegue manter a atenção do espectador durante mais de uma hora em um clima de leve suspense. O filme conta a história de um advogado - Sosa - que participa de um grupo mafioso que provoca acidentes de trânsito para que pessoas acionem suas companhias de seguros. Esse advogado é o "carancho" a que o título faz referência e, segundo pude apurar, o carancho é uma ave de rapina. Está explicada (e morta) a analogia.

Após provocar mais um acidente, Sosa conhece Luján, médica que trabalha no serviço de ambulâncias. Os dois começam um relacionamento com muitos desencontros motivados pela profissão nada convencional dele. Ou, de acordo com uma crítica: "Juntos, intentarán modificar el rumbo de sus vidas, pero el pasado turbulento de Sosa se interpondrá."

É um filme interessante porque, segundo me disseram, esse tipo de ocorrência é bastante comum na Argentina e, por esse ângulo, é válido que se faça uma denúncia. O problema é que, para o meu gosto particular, corre muito sangue ao longo da exibição e existem cenas desnecessárias, como uma em que o personagem principal literalmente quebra o joelho de um de seus "clientes" com uma marreta. Mas, como há gosto para tudo, talvez alguém tenha interesse em conferir.

Crédito da imagem: http://www.filmaffinity.com/es/film918617.html

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

"Mas há a vida que é para ser intensamente vivida..."

A frase que coloquei por título pertence a uma das crônicas de Clarice Lispector, publicada no livro "A descoberta do mundo". Vem ao caso porque, depois da postagem anterior pode parecer que eu fiquei muito triste no dia do meu aniversário e deixar que isso se confirme é permitir que se confirme uma mentira e omitir o carinho e a consideração dos amigos que tenho feito aqui entre hermanos, alemães e mexicanos! Abaixo coloco fotos da "festinha" que fizeram para mim ontem à noite.

[PÓS-ESCRITO][30/09/2015]

Houve fotos aqui um dia. Perderam-se sei lá por que. Quem frequenta minha casa (falo de 'real life') talvez já tenha visto o álbum da viagem e as fotos da festa. Os amigos virtuais pode ser que encontrem alguma coisa no Facebook.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Cumplir años...

Sinto um certo deslocamento por "cumplir años" longe de casa. No Brasil, o dia de hoje seria feriado e, em certa medida, isso torna tudo mais fácil (porque mais previsível). Depois de deitar tarde na véspera, me permitiria estar na cama mais tempo e, ao levantar, ajudaria na preparação do almoço e esperaria os familiares e alguns amigos mais próximos para comermos juntos. À noite poderia ir a uma pizzaria e depois voltaria à rotina.

Mas aqui, não é feriado. Ao contrário da calmaria, eu tenho aulas durante quase todo o dia e nem sequer tenho idéia de como comemorar. Um almoço? Umas pizzas com os amigos?

Cantoras brasileiras: autenticidade e carreira internacional

Faz pouco mais de dez minutos que vi no site do Yahoo uma notícia sobre uma crítica do prestigioso "The New York Times", na qual se avalia como sendo pequenas as chances de Ivete Sangalo decolar em uma carreira internacional, porque seu repertório está composto basicamente por músicas em português.

Para mim, há várias questoes envolvidas nesse caso e que seria interessante refletir sobre elas. Vou elencar apenas duas:

1. Se cantasse em inglês ou em espanhol, Ivete conseguiria "levar o carnaval brasileiro" à Nova Iorque? Cobram dela que cante em outras línguas, como Shakira, mas se ela o fizesse, os mesmos críticos que agora prognosticam "suas limitadas chances de carreira internacional" por uma questao "lingüística"; os mesmos críticos iriam limitar-lhe por uma falta de "autenticidade", seja lá o que for que possam querer dizer com isso.

2. Que imagem os americanos (e, acrescento, os europeus) têm do Brasil? Esperam ainda hoje que vá se apresentar Carmen Miranda, com um turbante cheio de frutas na cabeça? Carmen, por causa da imagem que construiu, podia cantar na língua que quisesse, porque seu visual "garantia que era brasileira".

As cantoras brasileiras precisam fazer sua arte, da maneira como a entendem, sem preocupar-se com os critérios da crítica.

Neste sentido, me encanta o vídeo de Maysa quando se apresenta no Japao e diz (vai sem aspas porque cito de memória e faço intervençoes...): vocês esperam que eu vá cantar samba (uma coisa alegre), mas o samba que eu canto é de um tipo diferente, se chama samba cançao. E interpreta um dos clássicos da "dor de cotovelo" ou "música de fossa", como queiram: "Meu mundo caiu".


E, por via das dúvidas, ponho o vídeo abaixo:

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Perplexidade em mão dupla

Chegar na Argentina para estudar a língua castelhana e a literatura latino-americana é, de algum modo, expor-me à sabatina de nossos "hermanos". Responder às perguntas que me fazem, às vezes, permite fazer algumas descobertas interessantes.

Uma delas tem que ver com o autor José Mauro de Vasconcelos e seu livro (quiçá) mais conhecido "Meu pé de laranja lima". Aqui na Argentina, esse autor segue popular e muitos jovens que estão aí com seus 18 anos (ou um pouco mais, 21, 22 anos...) leram "Mi planta de naranja-lima" (capa ao lado) em sua fase de alfabetização.

Quando digo que no Brasil já não se trata de um autor muito comentado em âmbito escolar (pelo menos não na região em que vivo) ocorre uma perplexidade em mão dupla. Tanto eu me surpreendo que este autor seja lido aqui (pois não chegou a fazer parte da minha formação) quanto os argentinos se surpreendem que o autor não seja lido no Brasil. É um pouco estranho, mas acontece.





Crédito da imagem: http://www.elresumen.com/libros/mi_planta_de_naranja_lima.htm

Ler literatura...

Escrevo este texto em atenção ao comentário que recebi da Helena em relação ao último post deste blog. Ela declara que "Gostaria de entender essa fascinação que tantos brasileiros têem por Clarice. No contexto de adoração que muitos constroem ao redor de seus escritos, fico até com medo de falar o que realmente penso sem antes estar calcada em forte base argumentativa."

A questão, pelo menos desde onde a vejo, tem muito que ver com modismo e publicidade. Clarice, lamentavelmente, está na moda. E com isso quero dizer que muita gente lê seus livros e os comenta sem estar calcado nessa "forte base argumentativa". Lê porque o livro aparece na novela das oito.

A própria Clarice muitas vezes declarou que seus textos não podiam ser compreendidos a partir de uma mirada intelectual. Gostar deles, para ela, era uma questão de toque. Ou seja, de sentir-se tocado pelo texto.

Daí que, partindo de uma premissa estética, isto é, encarando a leitura de textos literários como uma atividade de fruição estética, de toque, é muito pertinente não ler Clarice se os textos dela não lhe tocam de alguma maneira. Por isso, como diz Helena, "Já de outras autoras e autores brasileiros que não estão na moda, como você mesmo disse, li textos que me deixaram com esta sensação, ou seja, por algum tempo no ar."

Por isso, destaco, por exemplo, um poema de Cecília Meireles que simplesmente me encanta e que não forma parte do corpus estudado nas escolas, onde todos acreditam que a autora só escreveu os poemas de "Ou isto ou aquilo":

Humildade

Tanto que fazer !
Livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.

Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.

E os pássaros detrás de grades de chuvas,
e os mortos em redôma de cânfora.

(E uma canção tão bela!)

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos,
nem para quê.


Para finalizar: que cada um leia e considere "boa literatura" aquilo que mais lhe apraz e que se permita percorrer as estantes de bibliotecas e livrarias com um olhar atento e sempre disposto a encontrar alguma surpresa. Helena, muito obrigado pelo comentário. Um abraço.