E aqui vou me contradizer com relação ao que disse da postura da Ivete Sangalo. Para quem não leu, acho que a moça está certa ao continuar cantando seu repertório em português, sem render-se às pressoes mercadológicas que quereriam impor versões em inglês. Quer dizer, não é exatamente uma contradição, mas eu já inicio o texto dizendo que é para evitar que outros me acusem. Mas, a propósito de que vem tudo isso? Vem por causa de uma viagem recente que fiz a Buenos Aires (Argentina) e da sensação que experimentei ao topar com outros turistas brasileiros, em viagem no exterior.
Os fatos: estou há dois meses fazendo intercâmbio na Argentina. Antes de me decidir a encarar uma temporada no estrangeiro, tive de estudar dois anos o idioma castelhano para não chegar aqui e morrer de fome por não saber pedir a comida. Ainda que algumas coisas formem parte de uma comunicação simbólico-gestual universal, não é seguro arriscar. Além do mais, só com gestos eu acabaria ou comendo sempre as mesmas coisas ou comendo qualquer coisa.
Em Buenos Aires, cidade grande e cosmopolita, que atrai uma quantidade considerável de turistas, encontrei bastantes brasileiros, porque o câmbio, no momento, nos favorece. E encontrar compatriotas em outro país, antes de alegrar-me, me deixou com uma sensação difícil de descrever.
Porque todos os brasileiros que eu vi (tanto em lojas quanto em restaurantes), não sabiam sequer falar bom dia ou pedir um desconto em castelhano. Para diminuir o preço das mercadorias, tentavam todo tipo de expediente, fingindo um desentendimento que estava muito além das eventuais barreiras lingüísticas.
Além disso, num arroubo que tem muito que ver com a idéia de Brasil Grande, tentam pagar tudo em reais, sem sequer se preocupar com perguntar antes se aceitam, como aceitam e com qual valor. E depois reclamam porque o dono da loja está pagando menos que o valor indicado nos jornais...
Conclusão (ou das sensações que não sei explicar): desde que cheguei na Argentina, quando digo que sou brasileiro, me fazem perguntas sobre o presidente Lula. Embora pessoalmente eu seja contra o paternalismo de sua política, que transforma uma quantidade considerável de brasileiros em massa de manobra eleitoral; aqui sou forçado quase cotidianamente a conviver com a imagem de um líder carismático, que prega a união dos países latino-americanos e uma relativa insubmissão frente a EUA e Europa.
Contudo, como e de que modo se pode lograr essa tal "integração latino-americana" (na qual eu próprio passei a acreditar) se nos trâmites mais diários e mais banais do turismo em um país vizinho, as pessoas se fecham no seu próprio idioma, seguindo uma tendência histórica a criar barreiras lingüísticas entre países que estão próximos e compartem histórias e dramas em comum?