sábado, 23 de outubro de 2010

Minha hora da estrela

Desde longe, a voz de meus familiares é como a Rádio Relógio a que se refere Rodrigo. Não posso, ao contrário de Maca, ouvir todos os dias, mas sempre que ouço é um misto de alegria e de susto.

As gotas de minuto são os muitos centavos que se escoam enquanto ouço algumas palavras de pai, mãe, irmãs. Sem música e às vezes com anúncios publicitários. 

Ao contrario de Maca, acho que sei que tenho uma vida interior e me assusto ao ouvir o português e saber que pouco a pouco ele se me vai perdendo em meio ao espanhol de cada dia, mesclando-se num "portunhol" que eu achava impossível... e me assusto com as notícias que meus familiares me transmitem.

Gente de todos os círculos de convivência, vizinhos, amigos, parentes, gente da Igreja, do ex-emprego, da faculdade, vizinhos de minha avó, afetos e (ex) desafetos - e agradeço à distância pelo parênteses -; gente de todas partes acompanha essa espécie de "saga" em que se converteu a minha ousada temporada de estudos internacionais. De um golpe me dou conta de que sou o primeiro Assis e o primeiro Augusto (dessas ramas que me constituem, por suposto) a cruzar fronteiras. 

Ao descobrir que acompanham meus movimentos, penso se não os estou simulando de alguma maneira. Aqui morre o rapaz responsável, que se desdobrava entre o trabalho e o estudo, e nasce a estrela.

O mais aterrador em tudo isso é saber que de algum modo já fui "empurrado" por um carro em alta velocidade. Não foi um Mercedes amarelo; o que se trombou comigo foi o nascimento prematuro de uma priminha de terceiro grau.

A menina veio ao mundo no mesmo sete de setembro em que eu me convulsionava por fazer aniversário longe de casa, sem feriado e sem as visitas e programas previsíveis. O fato de ela nascer no mesmo dia que eu, de ter um nome que me pareceu lindo e de representar, a longo prazo, uma possibilidade de aproximação com parentes que de algum modo estão distantes me encheu de um sentimento muito nobre e muito bom. Um estado de graça.

No entanto, ela nasceu com problemas sérios de saúde. Lavínia morreu há quinze dias sem que eu ficasse sabendo no momento mesmo em que isso aconteceu, no "instante-já" em que sua alma se desprendeu deste mundo. A Rádio Relógio me ofereceu uma notícia velha, mas que cortou como a lâmina de um punhal. Ao ouvi-la, choquei a cabeça com a quina dura da realidade.

Villa María, Argentina, 20.10.2010

Um comentário:

  1. Brilhe onde estiver. E nessas horas, é melhor pensar que tudo é por algo melhor, no futuro.
    Beijo (bem portugues) de quem, mesmo distante, ainda assume o papel de anjo.

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