segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Dias de angústias renovadas [3]

Assistindo Sherlock Holmes

Na tela grande, imagens em movimento:
cenas de ação e investigação de crimes cruentos.
Para os outros expectadores, divertimento.
Para ele, chance de esquecer o que lhe vai por dentro.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Dias de angústias renovadas [2]

Nos tumultos do mundo

Um pressentimento quase concretizado,
e uma última expiração adiada.
Eis o saldo daquele sábado.

Não tivemos de conduzir um féretro,
mas os ânimos estavam como que de enlutados.

Discretos, os tormentos do neto, apenas iniciados,
se ocultavam tal qual o pó sob tapetes.

Estava tudo de tal modo oculto
que houve tempo para prestigiar a alegria alheia
e pagar tributo à condição de pessoa com agenda cheia.

Então foi ao cinema, depois ter ido a uma festa
mas nem por isso sua expectativa se fez menos indigesta.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Dias de angústias renovadas [1]

Na ignorância do fato

Saiu. Cumpriu sua função de trabalhador:
lavrou números na imensidão sem fim
de um balanço incultivado.

Saiu de novo, rumo ao mercado.
E parou na rua, no horário de mais calor
para ficar conversando fiado.

Parou para colocar a conversa em dia,
em tom amigo e despreocupado.
As compras? Não as faria até que tivesse terminado.

Mas longe, e desde cedo, o destino rolava os dados
de um pesadelo apenas (mas longamente) pressentido:
uma senhora idosa se debate, em estranha agonia.

O neto poeta, trabalhador distraído,
imaturo e desesperançado, curtia,
à sua maneira, um sábado de sol.

Tentava uma vida banal,
enquanto membro importante da família,
dava entrada no hospital.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Do fundo do baú: "Palavras presas na garganta" - conto

Palavras presas na garganta

Escrever nem sempre é fácil, mas às vezes obtemos matéria para algumas linhas através de um olhar sobre a vida alheia. Baseio-me, agora, nos desencontros em que vejo um casal de amigos.
Andam de mãos dadas algumas vezes. Mas é apenas amizade. Um carinho ousado a mais seria um risco que nenhum dos dois quer correr. “E se ele não me olha nunca mais?” “E se ela achar que eu sou um tarado que nem os outros caras que ela já ficou?” “Mas...”

As mãos se desenlaçam e um abraço de despedida se faz presente, embora com eternas promessas de novos passeios.

Os beijos no rosto são torturados. “Se fosse na boca seria melhor”, pensam juntos. Mas seus olhares nem se cruzam, para evitar que tais pensamentos se comuniquem. De novo o medo de pôr tudo a perder... “Não estou confundindo as coisas?” - outro pensamento conjunto.

Em casa, ficam pensando naquela pessoa amada com uma dor, com uma culpa por não ter falado nada. “Deixei escapar a chance de novo.”, pensam juntos mais uma vez. E dormem embalados por uma auto-enganosa promessa de mudar tudo na próxima vez.

Passam os dias. O telefone toca. Ela atende.

- Olá, amiga, tudo bom? Estou ligando porque preciso te dizer algo importantíssimo, que tem que ser dito hoje de qualquer maneira senão eu morro!!!
- Ai, agora quem morre sou eu, de curiosidade. Diga logo, de que se trata?

Os corações de ambos batem descompassados. Mas vem um tal nó na garganta do nosso herói, um tal frio na barriga que o silêncio se torna incômodo. A moça arrisca:

- Você ainda está aí?
- Sim... Desculpa, é que meu pai tava me chamando. Sabe o que é, é que tem uma peça ótima em cartaz no teatro e eu acho que a galera tem de ir. Liguei para te convidar.
- Só isso?
- Sim, por quê?

Ele pensa, por um minuto que virá, da parte da amiga a confissão de um amor que lhe tire a obrigação de ser o primeiro a falar. Ela simplesmente estronda uma gargalhada:

- Você é muito bobo... faz drama com tudo. Por isso que te digo que devia ser ator e por isso gosto da sua amizade; você está sempre me fazendo rir. Bom eu vou ver se dá pra ir e te falo. Tchau.
- Tchau.

O telefone é colocado no gancho com uma raiva contida.