quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Rebentações de efemérides várias

Este texto (?) talvez ficasse mais bem situado na Revista Encontro Literário da qual sou editor e onde sempre publico (com atraso) os textos que me cabem na divisão de tarefas entre os editores. Mas como eu já estava/estou atrasado além da conta e, ainda, como este blog é atualizado com menos frequência que a revista, decidi que ele ficará aqui mesmo. É um modo de eu me motivar a escrever mais amiúde.

Além disso, não tenho ideia de como o texto irá acabar, porque seu "projeto" se perdeu há tempos entre um pedaço e outro de papel e também arquivos e links que separei num processo de escritura que não se concluiu. Concluir-se-á agora? A ver...

O título, rebentações de efemérides várias diz respeito ao excesso de informações que recebi neste outubro que vai findando a respeito de assuntos que, direta ou indiretamente, deveriam me interessar como pessoa ligada à literatura. Aniversários de nascimento de escritores (vivos e mortos), aniversário de publicação de obras clássicas, etc. etc. É um título chique e sugestivo, mas que precisa ser explicado e por isso é ruim.

Na verdade, ficaria melhor se eu colocasse: "Entre lidos e não-lidos: minhas lides leitoras". Digo isso porque, de fato, alguns dos autores que vi mencionados aqui e acolá já são conhecidos e outros ainda estão na categoria do "para ler", que creio seja a mais extensa da minha humilde biblioteca, sendo que algumas dessas personalidades não tem sequer um volume a representá-las.

O que se segue é a parte errática das anotações. Peço aos leitores que me desculpem (e que comentem o que não entenderem, se quiserem). Começo com "os não lidos":

1. Doris Lessing, completou 93 anos em outubro. Vencedora do Prêmio Nobel de 2007. Nunca li nada dela. Deveria fazê-lo agora, sob a sugestão da efeméride (não redonda e, portanto, não comemorável) de que tomei conhecimento pela rede social?

2. Também pela rede social tomei conhecimento de que a escritora Alfonsina Storni se relacionava com o número 73. Como sei que ela já é falecida (na verdade, ela se matou na Argentina há muitos e muitos anos atrás) pensei que poderia ser a idade que ela estaria completando. Fui me informar melhor e descobri que, na verdade, fazem 73 anos que ela cometeu suicídio. De Alfonsina, conheço apenas a música que sua tragédia inspirou e que Mercedes Sosa tão lindamente interpretou. Deixo aqui de lambuja:


3. Agustina Bessa-Luís. Ouvi falar dessa escritora portuguesa na época em que fiz a disciplina de Literatura Portuguesa I na graduação. Salvo engano de memória, se referiram a seu romance Adivinhas de Pedro e Inês para demonstrar a permanência do mito de Dona Inês na literatura da terrinha. Tentei achar o livro  na biblioteca da universidade: nada. Pela internet: caro para aquele momento. Depois: caiu no esquecimento. Eu poderia aqui culpar a indústria editorial que cria um fosso quase intransponível entre Brasil e Portugal, mas agora coloquei mesmo (em caráter sério) a autora na lista dos "para ler". Fazendo isso, me obrigarei a postar algum comentário aqui no blog. Em tempo: Agustina está viva, e completou 90 anos no dia 15/10/2012, como poderão confirmar aqui: http://noticias.sapo.pt/nacional/artigo/dois-ineditos-de-agustina-bessa-_5009.html

Passo agora aos "lidos".

4. Na mesma semana em que li sobre os 90 anos de Agustina Bessa-Luís, recém-mencionada, a Folha de São Paulo apresentava em uma de suas edições de fim de semana (na Ilustrada de um sábado, creio) reportagem sobre o finado Dias Gomes, que também faria 90 anos em outubro - 19/10/2012 para ser mais exato. Sei que ele escreveu teatro, romances e roteiros de novelas famosas na história da TV Globo como O bem amado, Saramandaia e Roque Santeiro. Infelizmente, não assisti a nenhuma delas por impossibilidade temporal (leia-se, sem floreios: eu ainda não tinha nascido). Do autor li em 2006 a famosa peça O pagador de promessas. Sei o ano certo da leitura porque encontrei um e-mail no qual eu assim me refiro à leitura realizada na época: Li a peça toda em dois dias (o que é muito rápido considerando a vida que eu levo) e  o fiz com um envolvimento emocional que talvez tenha prejudicado o meu entendimento. Só que é impossível não se abalar com a história de Zé do Burro e sua inacreditável promessa.

O autor continua na lista "para ler". Comprei há algum tempo (foi depois de 2006, mas quando exatamente?) o romance Decadência, lançado por Dias Gomes em 1995. Comprei e não li, como muitos outros livros. Serviria a efeméride de seus 90 anos celebrados post mortem como motivação para a leitura? A ver... [2]

5. Hermann Melville e sua novela Moby Dick. Só me inteirei dos 161 anos de publicação da obra (aliás, outra data não redonda e, portanto, não comemorável) através de uma daquelas imagens engraçadinhas do Google que chamam muito criativamente de doodle. Li Moby Dick na infância (adaptado, claro), mas não voltei a pegar no livro depois de "adulto". Do mesmo autor li o conto Bartleby, o escrivão, que foi objeto de discussão em um dos grupos de leitura de que faço parte.

6. Graciliano Ramos faria 120 anos no último 27/10/2012 (sábado). Acho que de todos que listei até aqui, é o que mais li. Minhas pupilas já passaram pelas linhas de seus romances (Caetés, São Bernardo, Angústia e Vidas Secas), livros de crônicas (Linhas tortas e Viventes das Alagoas) e contos (Insônia). Já tentei mais de uma vez ler Memórias do Cárcere, mas sempre esbarro em alguma dificuldade, além de ser um livro pesado que eu acabo deixando para ler depois, quando eu estiver com uma (improvável) leveza que possa contrastar com a obra. Na semana passada comprei Infância, também do Mestre Graça. Algo me diz que ele pode ser o primeiro autor a sair da lista do "para ler" neste momento, furando a fila e tomando a vez de alguns que já citei neste "textamento" meio sem pé nem cabeça

7. Hoje, 31/10, serão comemorados os 110 anos de Carlos Drummond de Andrade. Já li bastante também o poeta de Itabira (não tanto quanto o Graciliano, mas li bastante). Como já me excedi no tamanho do texto, como homenagem a Drummond cito um de seus poemas de que mais gosto:

Os últimos dias


Que a terra há de comer,
Mas não coma já.

Ainda se mova,
para o ofício e a posse.

E veja alguns sítios
antigos, outros inéditos.

Sinta frio, calor, cansaço:
para um momento; continue.

Descubra em seu movimento
forças não sabidas, contatos.

O prazer de estender-se; o de
enrolar-se, ficar inerte.

Prazer de balanço, prazer de vôo.

Prazer de ouvir música;sobre o papel deixar que a mão deslize.

Irredutível prazer dos olhos;
certas cores: como se desfazem, como aderem;
certos objetos, diferentes a uma luz nova.

Que ainda sinta cheiro de fruta,
de terra na chuva, que pegue,
que imagine e grave, que lembre.

O tempo de conhecer mais algumas pessoas,
de aprender como vivem, de ajudá-las.

De ver passar este conto: o vento
balançando a folha; a sombra
da árvore, parada um instante
alongando-se com o sol, e desfazendo-se
numa sombra maior, de estrada sem trânsito.

E de olhar esta folha, se cai.
Na queda retê-la. Tão seca, tão morna.

Tem na certa um cheiro, particular entre mil.
Um desenho, que se produzirá ao infinito,
e cada folha é uma diferente.

E cada instante é diferente, e cada
homem é diferente, e somos todos iguais.
No mesmo ventre o escuro inicial, na mesma terra
o silêncio global, mas não seja logo.

Antes dele outros silêncios penetrem,
outras solidões derrubem ou acalentem
meu peito; ficar parado em frente desta estátua: é um
torso de mil anos, recebe minha visita, prolonga
para trás meu sopro, igual a mim
na calma, não importa o mármore, completa-me.

O tempo de saber que alguns erros caíram, e a raiz
da vida ficou mais forte, e os naufrágios
não cortaram essa ligação subterrânea entre homens e coisas;
que os objetos continuam, e a trepidação incessante
não desfigurou o rosto dos homens;
que somos todos irmãos, insisto.

Em minha falta de recursos para dominar o fim,
entretanto me sinta grande, tamanho de criança, tamanho de 
                                                                                    [torre,
tamanho da hora, que se vai acumulando século após século 
                                                                      [e causa vertigem,
tamanho de qualquer João, pois somos todos irmãos.

E a tristeza de deixar os irmãos me faça desejar
partida menos imediata. Ah, podeis rir também,
não da dissolução, mas do fato de alguém resistir-lhe,
de outros virem depois, de todos sermos irmãos,
no ódio, no amor, na incompreensão e no sublime
cotidiano, tudo, mas tudo é nosso irmão.

O tempo de despedir-me e contar
que não espero outra luz além da que nos envolveu
dia após dia, noite em seguida a noite, fraco pavio,
pequena amplo fulgurante, facho lanterna, faísca,
estrelas reunidas, fogo na mata, sol no mar,
mas que essa luz basta, a vida é bastante, que o tempo
é boa medida, irmãos, vivamos o tempo.

A doença não me intimide, que ela não possa
chegar até aquele ponto do homem onde tudo se explica.
Uma parte de mim sofre, outra pede amor,
outra viaja, outra discute, uma última trabalha,
sou todas as comunicações, como posso ser triste?

A tristeza não me liquide, mas venha também
na noite de chuva, na estrada lamacenta, no bar fechando-se,
que lute lealmente com sua presa,
e reconheça o dia entrando em explosões de confiança, esquecimento, amor,
ao fim da batalha perdida.

Este tempo, e não outro, sature a sala, banhe os livros,
nos bolsos, nos pratos se insinue: com sórdido ou potente 
                                                                                 [clarão.
E todo o mell dos domingos se tire;
o diamante dos sábados, a rosa
de terça, a luz de quinta, a mágica
de horas matinais, que nós mesmos elegemos
para nossa pessoal despesa, essa parte secreta
de cada um de nós, no tempo.

E que a hora esperada não seja vil, manchada de medo,
submissão ou cálculo. Bem sei, um elemento de dor
rói sua base. Será rígida, sinistra, deserta,
mas não a quero negando as outras horas nem as palavras
ditas antes com voz firme, os pensamentos
maduramente pensados, os atos
que atrás de si deixaram situações.
Que o riso sem boca não a aterrorize
e a sombra da cama calcária não a encha de súplicas,
dedos torcidos, lívido
suor de remorso.

E a matéria se veja acabar: adeus composição
que um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade.
Adeus, minha presença, meu olhar e minas veias grossas,
meus sulcos no travesseiro, minha sombra no muro,
sinal meu no rosto, olhos míopes, objetos de uso pessoal, 
                                   [idéia de justiça, revolta e sono, adeus,
adeus, vida aos outros legada.

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