quarta-feira, 29 de maio de 2013

Um e-mail de 14 de junho de 2006

Continuo remexendo velharias para alimentar o blog. É um exercício interessante, ainda que às vezes eu me depare com coisas que me assustam. 

É o caso deste e-mail de 14/06/2006 que intitula essa postagem. Me sinto assustado porque, de repente, dou de cara com um outro eu que em nada corresponde à realidade atual da minha vida. No caso particular desse e-mail, eu tratava de questões "angustiantes". Só posso dizer que talvez eu já não seja tão religioso. Acaso Deus está agora mais próximo de mim, como eu supus que Ele estava mais próximo da minha amiga? Com vocês, o e-mail:

Tudo bem com você? Espero que esteja.
 
Agradeço, novamente, por mandar-me e-mails. Aquele sobre dizer "eu te amo" é maravilhoso, eu já conhecia o texto. É verdade, a vida é muito curta pra deixarmos as demonstrações de afeto pra depois. Pode não haver depois. Não houve depois para aquela família, porque quando encontraram o menino morto já era tarde.
 
Mas eu escrevi mesmo foi para colocar uma frase da Clarice Lispector pra você. Eu queria ter colocado na resposta daquele outro e-mail, sobre Deus e etc. e tal, mas não foi possível. Ei-la:
 
"Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude... Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que eu não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais."    
 
Eu acho que essa frase tem um pouco a ver com o que você falou sobre eu ser religioso e você não. Quer dizer, Deus está dentro de você, dentro de mim, dentro de todos nós e é por isso que, inconscientemente, chamamos por Ele. É a tal pergunta duvidosa, o tal instante de desespero. E Ele é tão bom que nos atende, mesmo se não somos modelos de religiosidade. O importante é crer!!! A Religião é apenas uma forma. Você pode estar muito mais próxima d'Ele que eu. 
 
Um abraço,

domingo, 26 de maio de 2013

A respeito do espetáculo "Cartas Portuguesas"

Pulemos os preâmbulos. O texto que publiquei antes deste traz todas as minhas habituais piruetas pré-textuais e não pretendo cansar os leitores me repetindo. Vamos aos fatos: ontem (25/5) à noite, como parte da programação do Corredor Cultural de Juiz de Fora e, também, do Ano de Portugal no Brasil, o grupo carioca 6 Marias e 1/2 apresentou a peça Cartas Portuguesas. Fui assistir com alguns amigos que não são da área de Letras e que não tinham, portanto, a obrigação de saber das desditas de Sóror Mariana Alcoforado, autora das cartas que intitulam o espetáculo. Aliás, o fato de estar acompanhado aumentava minhas expectativas com relação ao que seria apresentado pois não queria passar pelo constrangimento de levar as pessoas para um "programa de índio"¹.

Por sorte, toda essa apreensão inicial se desfez ao longo de uma hora de espetáculo. Por sorte não, por competência do grupo que soube trabalhar muito bem (ao menos na minha opinião) o conteúdo das Cartas Portuguesas. Mais que isso, seu trabalho não precisou valer-se de excessos cênicos ou de cenário elaborado. A propósito, o palco era adornado com recursos bastante simples: uma profusão de folhas escritas penduradas em uma trave e outras tantas espalhadas pelo piso. Destaque também para o figurino das atrizes, que em algum momento da peça nos surpreendeu quando a saia de uma delas se transformou em um enorme lençol também ele coberto de palavras.

A trilha sonora do espetáculo seguiu o mesmo padrão de simplicidade, sendo composta apenas pelos sons de um acordeon tocado por um rapaz que estava na boca de cena mas não interagia diretamente com as três atrizes a cargo de interpretar Mariana. Sim, três atrizes se revezavam no papel de interpretar a freira que sofria por amor entre as paredes do convento e transpunha para o papel esse sentimento, em uma escrita atravessada pelas contradições do período Barroco. 

Essas contradições, diga-se de passagem, foram muito bem representadas no arco de cenas em que uma das atrizes se debruçava sobre o papel tentando concatenar as ideias e as outras duas, como vozes em sua consciência, se digladiavam a respeito do como e do que devia ser escrito naquela carta. Neste particular, merece menção a lufada de "modernidade" dada ao texto, já que os diálogos incluíram termos mais atuais, fazendo ver que as desditas de amor não são exclusividade do século XVII. Além do mais, essas cenas arrancaram risos da audiência e eu acho interessante quando se consegue esse tipo de envolvimento do público. Em todo caso, devo dizer que o público não foi tão receptivo quando as atrizes desceram do palco para interagir com alguns espectadores.


Resumo da noite: uma boa apresentação teatral, que, infelizmente, não será bisada no Corredor Cultural ou outro evento do tipo. O trabalho do grupo, concentrado no texto e na repercussão deste sobre o público, aliado à simplicidade (eficiente) do cenário e da trilha sonora proporcionou um bom contato com as Cartas Portuguesas e surpreendeu positivamente até aqueles que não esperavam muito da noite ou não tinham familiaridade com o texto que originou o espetáculo.

Nota única:

1. Sei que a onda politicamente correta atualmente em curso deveria me impedir de usar a expressão "programa de índio". No entanto, eu a uso não por menosprezar os povos indígenas ou achar que eles participam de eventos ruins ou desinteressantes, mas apenas por ser uma expressão linguística já incorporada à língua e cujo significado é captado diretamente pelos leitores e me exige menos palavras que essa explicação toda. Tão imensa quanto desnecessária, talvez.

Observação: as duas fotos foram tiradas por mim, durante a apresentação. Não fui o único a fazer registro fotográfico e não havia, até onde sei, restrições de que isso fosse feito. Aliás, os créditos da foto poderiam ser denunciados pela má qualidade, uma vez que não sou fotógrafo profissional.

Sobre o 3° Concerto Didático SESC/JF

Desnecessário dizer que o blog não é, de per si, um espaço de crítica de arte. Menos ainda as razões por que, eventualmente, textos dessa natureza ocupam este espaço. Novidade aqui só uma: a intenção de comentar e divulgar a excelente iniciativa dos Concertos Didáticos promovidos pelo Sesc/JF. Estes concertos são realizados sempre na última sexta-feira de cada mês e este que vou comentar contou com a participação do Grupo Sinfonietta.

Eu próprio não sabia da existência dos concertos antes, tanto que teço meus comentários sobre o terceiro concerto da série. Ocorreram outros dois antes, portanto. Cheguei ao conhecimento do evento pela indicação de um amigo. Por tudo isso, acho justo e necessário escrever a respeito. E, se todas essas razões fossem insuficientes, me restaria argumentar com o número de presentes à apresentação: 27 pessoas. O número 27 não deixa dúvida a respeito do atual alcance do evento, ponto que gostaria sinceramente de ver modificado. 

Ditos os motivos que me levam a escrever, passo aos comentários sobre o que vi/ouvi na sexta-feira última, dia 24/05. Conforme informação do programa, um " 'concerto didático' pode ser definido como uma apresentação musical comentada, com o intuito de possibilitar ao público certa aproximação com a música erudita". Quanto a isso, não resta dúvida de que a simpatia do maestro Irineu Pereira contribui (e muito) para deixar os presentes à vontade e a linguagem utilizada por ele foge, na medida do possível, de termos técnicos que poderiam prejudicar a comunicação. Antes de prosseguir, apenas quero deixar registrado que o mérito do projeto reside justamente em desmitificar a música erudita, dando ao público um mínimo de conhecimento que permita um acercamento sem temor a essa forma de arte.

Além disso, os integrantes do grupo mostraram-se solícitos ao tocar brevemente uma, duas ou até três vezes (antes da execução das peças do programa) para mostrar a característica do som de seus instrumentos, ilustrando as explicações do maestro.

No repertório do concerto, três movimentos do Concerto Grosso n° 10 de Handel (Allegro, Air e Allegro), precedidos pela explicação sobre o diálogo dos dois violinos e do violoncelo dos solistas na "fuga" que caracteriza o Allegro. E também a respeito da característica mais lírica do movimento intitulado Air, a qual poderia deixar nos ouvintes a sensação de estar "faltando uma voz humana" no concerto.

Em seguida o grupo executou o Allegro e o Romanze da Pequena Serenata Noturna de Mozart. Não sou exatamente um entendido em música erudita, mas reconheci a música aos primeiros acordes. Composição conhecidíssima (o romanze, inclusive, costuma ser tocado nos cortejos de casamentos), propicia no concerto aquele momento de identificação do público, que, apoiado em uma presunção de conhecimento, torna-se ainda mais partícipe do evento.

Foto do Grupo Sinfonietta em ação, tirada pelo meu amigo Adão Felipe.

A terceira peça do programa foi uma composição do brasileiro Paulo Cesar Maia de Aguiar que, aliás, estava presente ao concerto e trocou palavras breves com o maestro num português carregado que deixou entrever a verdade da sua biografia apresentada no programa, na qual consta a informação de que o compositor atua mormente no Hemisfério Norte. O Congo e a Sinhazinha, possui características de choro e agregou à orquestra uma flauta e um clarinete, cujos sons representavam os personagens que dão título à peça.

À parte das composições elencadas no programa e à maneira de um bis antecipado, o grupo tocou ainda Bola de Meia, Bola de Gude (Fernando Brant/Milton Nascimento) e My Girl (W. "Smokey" Robinson - da trilha sonora do filme Meu primeiro amor). Ambas as composições foram arranjadas pela violoncelista Ana Maria de Oliveira Vieira e constituíram outro momento de identificação, além de demonstrar que violinos, violas e violoncelos não são instrumentos de um passado distante e inacessível, mas sim objetos vivos, cuja arte também pode colocar-se a serviço da execução de peças contemporâneas.

Resumo da noite: em uma apresentação de mais ou menos 60 minutos tivemos a oportunidade de ver e ouvir o trabalho de um grupo de músicos dedicados que colocaram sua arte, com eficiência, a serviço da divulgação cultural, buscando, como se disse, aproximar o público da música erudita. E aproximaram, com certeza.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O travo amargo do silêncio (ficção) (trecho)

Depois de esperar por três dias, cuja duração foi despistada por conversas sobre o tempo, nascimentos de parentes, mortes de artistas, doenças e outros assuntos de menor importância, depois de três dias, ele finalmente foi admitido à sala do chefe.

Ele, que até então queria entrar lá por iniciativa própria, tinha recebido um chamado. A razão, desconhecia. Sabia apenas de suas razões, de seu desejo de liberdade, sua vontade de não ficar como Carlitos, apertando parafusos toda a vida naquele lugar. As palavras todas iam se avolumando dentro dele, à espera daquele momento em que, expelidas, forçariam a libertação.

No entanto, ele soube a razão do chamado. Era tão inútil quanto as conversas dos dias anteriores (ou mais). O espanto, em lugar de fazer sair o tropel de palavras libertadoras, trancou-as sob um pesado silêncio de consternação. Com raiva de si mesmo, voltou a apertar seus parafusos, à espera de outra (melhor) ocasião.