domingo, 26 de maio de 2013

A respeito do espetáculo "Cartas Portuguesas"

Pulemos os preâmbulos. O texto que publiquei antes deste traz todas as minhas habituais piruetas pré-textuais e não pretendo cansar os leitores me repetindo. Vamos aos fatos: ontem (25/5) à noite, como parte da programação do Corredor Cultural de Juiz de Fora e, também, do Ano de Portugal no Brasil, o grupo carioca 6 Marias e 1/2 apresentou a peça Cartas Portuguesas. Fui assistir com alguns amigos que não são da área de Letras e que não tinham, portanto, a obrigação de saber das desditas de Sóror Mariana Alcoforado, autora das cartas que intitulam o espetáculo. Aliás, o fato de estar acompanhado aumentava minhas expectativas com relação ao que seria apresentado pois não queria passar pelo constrangimento de levar as pessoas para um "programa de índio"¹.

Por sorte, toda essa apreensão inicial se desfez ao longo de uma hora de espetáculo. Por sorte não, por competência do grupo que soube trabalhar muito bem (ao menos na minha opinião) o conteúdo das Cartas Portuguesas. Mais que isso, seu trabalho não precisou valer-se de excessos cênicos ou de cenário elaborado. A propósito, o palco era adornado com recursos bastante simples: uma profusão de folhas escritas penduradas em uma trave e outras tantas espalhadas pelo piso. Destaque também para o figurino das atrizes, que em algum momento da peça nos surpreendeu quando a saia de uma delas se transformou em um enorme lençol também ele coberto de palavras.

A trilha sonora do espetáculo seguiu o mesmo padrão de simplicidade, sendo composta apenas pelos sons de um acordeon tocado por um rapaz que estava na boca de cena mas não interagia diretamente com as três atrizes a cargo de interpretar Mariana. Sim, três atrizes se revezavam no papel de interpretar a freira que sofria por amor entre as paredes do convento e transpunha para o papel esse sentimento, em uma escrita atravessada pelas contradições do período Barroco. 

Essas contradições, diga-se de passagem, foram muito bem representadas no arco de cenas em que uma das atrizes se debruçava sobre o papel tentando concatenar as ideias e as outras duas, como vozes em sua consciência, se digladiavam a respeito do como e do que devia ser escrito naquela carta. Neste particular, merece menção a lufada de "modernidade" dada ao texto, já que os diálogos incluíram termos mais atuais, fazendo ver que as desditas de amor não são exclusividade do século XVII. Além do mais, essas cenas arrancaram risos da audiência e eu acho interessante quando se consegue esse tipo de envolvimento do público. Em todo caso, devo dizer que o público não foi tão receptivo quando as atrizes desceram do palco para interagir com alguns espectadores.


Resumo da noite: uma boa apresentação teatral, que, infelizmente, não será bisada no Corredor Cultural ou outro evento do tipo. O trabalho do grupo, concentrado no texto e na repercussão deste sobre o público, aliado à simplicidade (eficiente) do cenário e da trilha sonora proporcionou um bom contato com as Cartas Portuguesas e surpreendeu positivamente até aqueles que não esperavam muito da noite ou não tinham familiaridade com o texto que originou o espetáculo.

Nota única:

1. Sei que a onda politicamente correta atualmente em curso deveria me impedir de usar a expressão "programa de índio". No entanto, eu a uso não por menosprezar os povos indígenas ou achar que eles participam de eventos ruins ou desinteressantes, mas apenas por ser uma expressão linguística já incorporada à língua e cujo significado é captado diretamente pelos leitores e me exige menos palavras que essa explicação toda. Tão imensa quanto desnecessária, talvez.

Observação: as duas fotos foram tiradas por mim, durante a apresentação. Não fui o único a fazer registro fotográfico e não havia, até onde sei, restrições de que isso fosse feito. Aliás, os créditos da foto poderiam ser denunciados pela má qualidade, uma vez que não sou fotógrafo profissional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário