sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Notas soltas a respeito do filme "Samsara"


Assisti ao filme Samsara (2001, 145min) em dezembro de 2009, por indicação de um então amigo. Como se lê, isso foi há três anos atrás. De modo similar ao da escrita deste texto (mais que retardatário, diga-se de passagem), o contato com o filme se fez em meio aos festejos natalinos, com idas e vindas ao centro da cidade para comprar coisas e despachar cartões de boas festas ou de agradecimentos. Não creio que haja relação entre o filme e o natal, até porque a ideia esboçada na película é bem outra, nos leva um pouco na direção contrária dessa coletividade forçada. De qualquer maneira, como continuo à cata de material aqui para o blog, resgato algumas notas dos e-mails que troquei com a pessoa que me indicou o filme.

Tentei (apenas tentei) dar uma formatação mais adequada, podando o texto de alguns comentários circunstanciais e eliminando as marcas mais visíveis de que se trata de e-mails, ainda que isso se mostre inútil diante da verdade que as piruetas pré-textuais insistem em revelar. A seguir estão "rabiscadas" algumas considerações amadoras e desprovidas de maiores pretensões. Vêm para cá para ocupar o espaço do blog e para que não se percam.
 
A proposta do filme é bastante interessante (acho que para os iniciados na filosofia budista ainda mais): problematizar a vida humana e suas inquietações. Isso fica muito evidente em uma frase que é apresentada ao protagonista: "O que é melhor, satisfazer todos os desejos ou conquistar apenas um?" Eu achei essa frase, entre outras, claro, fantástica. Vejam-se os verbos que deixei grifados.
A satisfação, do ponto de vista do ser humano, é algo muito limitado. Você satisfaz a fome agora e daqui três horas quer comer de novo, por exemplo. O mesmo para a sede, o sexo e tudo aquilo que Tashi (o protagonista recém mencionado) decide experimentar. Talvez fosse oportuno dizer que somos, por excelência, eternos insatisfeitos. Mas conquistar, penso eu, é algo que está (e vai) além. Conquistas envolvem sacrifício, abandonos,... e o objetivo é algo maior que os desejos ou necessidades do nosso corpo. Conquistar envolve transcender. Não sei se me fiz entender.

Outro ponto interessante é a indagação que o mesmo Tashi encontra inscrita numa pedra e só depois, na mesma pedra, é respondida. É um questionamento a respeito do que deveria ser feito para impedir uma gota de secar ao sol. Em algum momento surge a comparação entre essa gota e um graveto, já não me lembro bem. De qualquer maneira, acho que mesmo passados três anos de ter assistido ao filme ainda não encontrei respostas às suas perguntas. Uma coisa é certa: temos de ter muita força para nos atirarmos, como gota que seja, ao mar. O mar, apesar de representar, para a gota, a possibilidade de não secar, representa também um mergulho no desconhecido. Ser o galho implicaria em outras questões: o que garante para o galho caído no rio que ele vai mesmo chegar ao mar? Que é o mar pra esse galho? E mais, e se nós formos o galho, que por natureza tende a permanecer, sólido, em seu lugar?

Como disse no começo, o que apresentei aqui foram impressões breves e despretensiosas a respeito do filme. Claro que elas podem estar (e estão) matizadas pelo meu olhar de rapaz de vinte e poucos anos, ocidental e tendente a racionalizar, questionar (e sei lá que outro verbo usar) aquilo que recebemos do Oriente.

Pós escrito:

Para justificar o atraso dos meus comentários em relação não só à data de produção do filme como também ao próprio momento em que o assisti, recorro a uma citação de Clarice Lispector, que algum leitor mais perspicaz já percebeu que é autora recorrente no meu repertório. Em seu texto, a escritora trata de outro assunto, mas coincido com ela em que há certos temas em relação aos quais "nossos sentimentos já estavam atrasados em contraposição à velocidade com que o acontecimento nos ultrapassava".

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Um e-mail de 06 de fevereiro de 2012

Decidi voltar a escrever com mais frequência aqui no blog e no Recanto das Letras. Por um lado porque escrever é algo que gosto de fazer e, por outro, porque numa vida em rede, as pessoas podem esbarrar com um texto meu em algum lado, procurar outros e de repente vão topar com um blog desatualizado. É uma situação chata.

O único problema é que para poder fazer isso, eu precisaria de uma dose extra de disciplina que me fizesse andar em dia com os textos da revista Encontro Literário (já mencionada aqui neste blog), além de produzir  literatura ou reflexões com certa regularidade, coisa que no momento não tenho feito. Então, como último recurso, decidi revirar arquivos o computador, e-mail, etc. para garimpar materiais que me deem uma margem de manobra. Estou explicitando isso sem nenhum tipo de pudor porque a estratégia de "auto-plágio" não é nova.

Mais ou menos nesse espírito, resolvi resgatar trechos de um e-mail que escrevi a uma amiga em 06/02/2012 (meio óbvio, visto o título da postagem). O estado de espírito é quase o mesmo de hoje, portanto, ignorem a diferença de nove meses entre a escrita e a divulgação pública da mensagem:

Condessa de ***, boa noite.
Queria ter respondido antes do final de semana, como escrevi anteriormente, ao sinalizar o recebimento das suas mensagens, mas não tive como fazer isso. Os dias tem passado sem que eu consiga me organizar de modo satisfatório e até mesmo atualizar o Facebook tem sido um martírio. Além de tudo, estou como você numa fase de poucas palavras e não tenho conseguido colocar por escrito tudo o que tenho vivido/sentido/sido por esses dias... nem mesmo no meu "diário". [Mantenho algumas notas soltas num arquivo no computador... é um exercício interessante]
Parte desse meu estado de espírito se deve ao excesso de estresse com o trabalho (sempre fico assim na época de fechar balanço dos clientes), coisa que espero resolver algum dia,, embora ainda não saiba como. Outra parte é por conta de algo que eu genericamente poderia classificar como "problemas de saúde na família" [o problema referido no e-mail está resolvido, por isso, omito-o aqui] que me obrigam a perder um tempo na tentativa de ajudar o Marquês XYZ, que não sabe lidar com a situação e a possibilidade de vir a perder[...]. Depois vêm os efeitos colaterais do álcool...

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Rebentações de efemérides várias

Este texto (?) talvez ficasse mais bem situado na Revista Encontro Literário da qual sou editor e onde sempre publico (com atraso) os textos que me cabem na divisão de tarefas entre os editores. Mas como eu já estava/estou atrasado além da conta e, ainda, como este blog é atualizado com menos frequência que a revista, decidi que ele ficará aqui mesmo. É um modo de eu me motivar a escrever mais amiúde.

Além disso, não tenho ideia de como o texto irá acabar, porque seu "projeto" se perdeu há tempos entre um pedaço e outro de papel e também arquivos e links que separei num processo de escritura que não se concluiu. Concluir-se-á agora? A ver...

O título, rebentações de efemérides várias diz respeito ao excesso de informações que recebi neste outubro que vai findando a respeito de assuntos que, direta ou indiretamente, deveriam me interessar como pessoa ligada à literatura. Aniversários de nascimento de escritores (vivos e mortos), aniversário de publicação de obras clássicas, etc. etc. É um título chique e sugestivo, mas que precisa ser explicado e por isso é ruim.

Na verdade, ficaria melhor se eu colocasse: "Entre lidos e não-lidos: minhas lides leitoras". Digo isso porque, de fato, alguns dos autores que vi mencionados aqui e acolá já são conhecidos e outros ainda estão na categoria do "para ler", que creio seja a mais extensa da minha humilde biblioteca, sendo que algumas dessas personalidades não tem sequer um volume a representá-las.

O que se segue é a parte errática das anotações. Peço aos leitores que me desculpem (e que comentem o que não entenderem, se quiserem). Começo com "os não lidos":

1. Doris Lessing, completou 93 anos em outubro. Vencedora do Prêmio Nobel de 2007. Nunca li nada dela. Deveria fazê-lo agora, sob a sugestão da efeméride (não redonda e, portanto, não comemorável) de que tomei conhecimento pela rede social?

2. Também pela rede social tomei conhecimento de que a escritora Alfonsina Storni se relacionava com o número 73. Como sei que ela já é falecida (na verdade, ela se matou na Argentina há muitos e muitos anos atrás) pensei que poderia ser a idade que ela estaria completando. Fui me informar melhor e descobri que, na verdade, fazem 73 anos que ela cometeu suicídio. De Alfonsina, conheço apenas a música que sua tragédia inspirou e que Mercedes Sosa tão lindamente interpretou. Deixo aqui de lambuja:


3. Agustina Bessa-Luís. Ouvi falar dessa escritora portuguesa na época em que fiz a disciplina de Literatura Portuguesa I na graduação. Salvo engano de memória, se referiram a seu romance Adivinhas de Pedro e Inês para demonstrar a permanência do mito de Dona Inês na literatura da terrinha. Tentei achar o livro  na biblioteca da universidade: nada. Pela internet: caro para aquele momento. Depois: caiu no esquecimento. Eu poderia aqui culpar a indústria editorial que cria um fosso quase intransponível entre Brasil e Portugal, mas agora coloquei mesmo (em caráter sério) a autora na lista dos "para ler". Fazendo isso, me obrigarei a postar algum comentário aqui no blog. Em tempo: Agustina está viva, e completou 90 anos no dia 15/10/2012, como poderão confirmar aqui: http://noticias.sapo.pt/nacional/artigo/dois-ineditos-de-agustina-bessa-_5009.html

Passo agora aos "lidos".

sábado, 9 de junho de 2012

"À espera de turistas"

Assisti ontem a este filme excelente! Recomendo muito àqueles que gostam de captar sensibilidades através dos diálogos (breves) e da sucessão das cenas em que está em jogo muito mais que o "conflito de gerações".



domingo, 12 de fevereiro de 2012

Tem dias...

Tem dias que não consigo escrever como queria, para colocar em palavras as sensações que o excesso de trabalho e os assuntos de família me tem trazido. Até mesmo os arremedos de poema que coloquei por aqui, embora escritos num arranco, demoraram bastante até serem devidamente registrados neste blog multifacetado, cuja linha principal de organização creio já ter perdido.

Entre a minha intenção de escrever e a execução do ato de escrever, vai um longo trecho, um hiato, principalmente quando quero falar de um modo cifrado sobre assunto que não comporta alarde. Pois se tem dias que até escrever atualizações pro Facebook é chato.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Dias de angústias renovadas [7]

A vaga

Depois de dias internada, a paciente consegue, enfim, uma vaga
em outro hospital, onde, espera-se, será enfim reabilitada.

Mas com uma vêm outras vagas. A começar por esta vaga esperança,
indeterminada, que nos levanta a cada dia para lutas renovadas.

Os sentimentos que como pó foram ocultados,
sob o tapete das aparências, nos dias sem novidade, de espera angustiada,
pouco a pouco se avolumam e, agrandados, ameaçam romper o seu cercado:
o coração, já o antevê como praia em dia de ressacada.

Tropel tumultuoso, de que lhe serve a marcha desesperada?
Apesar do refluir das vagas e da esperança vaga que trazem arrastada,
ao leigo neto poeta só lhe resta escrever e esperar: mais nada.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Dias de angústias renovadas [6]

Objetos voadores

Diante de dores que uns calam,
outros descontam na bebida.
Há também os que têm crises de nervos,
e os que choram em noites mal-dormidas

Mesmo ostentando nomes de santo e/ou de evangelistas,
com fé na cristandade e/ou crença em outras vidas,
a família inteira se debate, sentida.

Os contornos de uma tensão riscam o ar da noite
e mudam-se, rápidos, em objetos voadores.
Seriam delírios de nossas mentes desgastadas?

Sinais de outra tragédia a ser evitada,
eles contam uma história que lhe arqueia as sobrancelhas:
o desespero que opõe tios a sobrinhos por um nada,
termina com roupas cheias de manchas vermelhas.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Dias de angústias renovadas [5]

Dias em branco (prosa)

Chegou o desespero mudo a tal ponto que vários dias se passaram sem que uma única palavra brotasse da boca ou dos dedos para dar sentido a tanta expectativa, mundo um tanto quanto confuso. Como autômato fez de um tudo: comeu, dormiu, trabalhou. Ouviu, falou. Às vezes riu, mas em nenhum dia chorou. 

Se lhe perguntarem como ou quanto o tempo passou, capaz que não responda com precisão. Sabe apenas que passou e, apesar disso, uma triste constatação: muito pouca coisa mudou.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Dias de angústias renovadas [4]

Alguém se lhe antecipa

Quando menos se esperava,
alguém em outra casa grita.

É um grito convulso, que escuto com susto,
enquanto a notícia funesta se alastra e,
indiferente, um moleque empina sua pipa.

Morreu um senhor conhecido.
Pelos anos (e por um cancro) carcomido:
sua partida antecipou-se à morte que o poeta cria anunciada.

Lampejo de felicidade frente ao jogo das probabilidades:
a doente do último sábado, continua encarnada.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Dias de angústias renovadas [3]

Assistindo Sherlock Holmes

Na tela grande, imagens em movimento:
cenas de ação e investigação de crimes cruentos.
Para os outros expectadores, divertimento.
Para ele, chance de esquecer o que lhe vai por dentro.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Dias de angústias renovadas [2]

Nos tumultos do mundo

Um pressentimento quase concretizado,
e uma última expiração adiada.
Eis o saldo daquele sábado.

Não tivemos de conduzir um féretro,
mas os ânimos estavam como que de enlutados.

Discretos, os tormentos do neto, apenas iniciados,
se ocultavam tal qual o pó sob tapetes.

Estava tudo de tal modo oculto
que houve tempo para prestigiar a alegria alheia
e pagar tributo à condição de pessoa com agenda cheia.

Então foi ao cinema, depois ter ido a uma festa
mas nem por isso sua expectativa se fez menos indigesta.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Dias de angústias renovadas [1]

Na ignorância do fato

Saiu. Cumpriu sua função de trabalhador:
lavrou números na imensidão sem fim
de um balanço incultivado.

Saiu de novo, rumo ao mercado.
E parou na rua, no horário de mais calor
para ficar conversando fiado.

Parou para colocar a conversa em dia,
em tom amigo e despreocupado.
As compras? Não as faria até que tivesse terminado.

Mas longe, e desde cedo, o destino rolava os dados
de um pesadelo apenas (mas longamente) pressentido:
uma senhora idosa se debate, em estranha agonia.

O neto poeta, trabalhador distraído,
imaturo e desesperançado, curtia,
à sua maneira, um sábado de sol.

Tentava uma vida banal,
enquanto membro importante da família,
dava entrada no hospital.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Do fundo do baú: "Palavras presas na garganta" - conto

Palavras presas na garganta

Escrever nem sempre é fácil, mas às vezes obtemos matéria para algumas linhas através de um olhar sobre a vida alheia. Baseio-me, agora, nos desencontros em que vejo um casal de amigos.
Andam de mãos dadas algumas vezes. Mas é apenas amizade. Um carinho ousado a mais seria um risco que nenhum dos dois quer correr. “E se ele não me olha nunca mais?” “E se ela achar que eu sou um tarado que nem os outros caras que ela já ficou?” “Mas...”

As mãos se desenlaçam e um abraço de despedida se faz presente, embora com eternas promessas de novos passeios.

Os beijos no rosto são torturados. “Se fosse na boca seria melhor”, pensam juntos. Mas seus olhares nem se cruzam, para evitar que tais pensamentos se comuniquem. De novo o medo de pôr tudo a perder... “Não estou confundindo as coisas?” - outro pensamento conjunto.

Em casa, ficam pensando naquela pessoa amada com uma dor, com uma culpa por não ter falado nada. “Deixei escapar a chance de novo.”, pensam juntos mais uma vez. E dormem embalados por uma auto-enganosa promessa de mudar tudo na próxima vez.

Passam os dias. O telefone toca. Ela atende.

- Olá, amiga, tudo bom? Estou ligando porque preciso te dizer algo importantíssimo, que tem que ser dito hoje de qualquer maneira senão eu morro!!!
- Ai, agora quem morre sou eu, de curiosidade. Diga logo, de que se trata?

Os corações de ambos batem descompassados. Mas vem um tal nó na garganta do nosso herói, um tal frio na barriga que o silêncio se torna incômodo. A moça arrisca:

- Você ainda está aí?
- Sim... Desculpa, é que meu pai tava me chamando. Sabe o que é, é que tem uma peça ótima em cartaz no teatro e eu acho que a galera tem de ir. Liguei para te convidar.
- Só isso?
- Sim, por quê?

Ele pensa, por um minuto que virá, da parte da amiga a confissão de um amor que lhe tire a obrigação de ser o primeiro a falar. Ela simplesmente estronda uma gargalhada:

- Você é muito bobo... faz drama com tudo. Por isso que te digo que devia ser ator e por isso gosto da sua amizade; você está sempre me fazendo rir. Bom eu vou ver se dá pra ir e te falo. Tchau.
- Tchau.

O telefone é colocado no gancho com uma raiva contida.