sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A Fantasia desmistificada (e condenada)

Num arroubo saudosista (que, supõe-se, devia ser algo menos recorrente num jovem de 23 anos) me dei de presente um DVD duplo - na verdade um único disco com filmes nas duas faces - que contém um filme que marcou a minha infância não tão distante: "A história sem fim".

Trata-se da história de um garotinho chamado Bastian, que é órfão de mãe e parece não superar essa perda. A relação com o pai também não parece das melhores. Possivelmente porque também o adulto se ressente da perda... Tudo isso nos é informado nas primeiras cenas do filme, antes do menino se dirigir á escola. No caminho, três garotos o abordam e, sem dinheiro para dar a eles, Bastian acaba numa lata de lixo. Fica sugerido que não é a primeira vez que isso ocorre.

Minutos depois, fugindo da perseguição desses mesmos garotos, ele penetra numa livraria. Lá topa com um livro mágico e daí em diante é que tem começo verdadeiramente a "História sem Fim", na qual os personagens de Fantasia correm perigo porque as crianças estão deixando de acreditar nelas. Claro que o filme tem um fim. Assim como esse texto deveria ter uma finalidade que está ficando oculta por trás do resumo do filme.

O caso é que não revi o filme sozinho. Minha irmã caçula, criança aí com seus dez anos, estava na sala dividindo o espaço comigo. Certamente curiosa por descobrir o que eu, irmão mais velho, via quando tinha a idade dela. Ela viu e não gostou. Disse que dava claramente para ver que eram bonecos e animações muito simples.

Sinal desses tempos de imaginação colonizada pelas animações da Pixar, o comentário dela teve um efeito devastador sobre mim. Na verdade eu esperava que a qualquer momento o filme parasse de rodar e os personagens fossem morrendo um a um.

A explicação: nesses tempos em que as crianças não mais precisam se dar ao trabalho de estabelecer um pacto de representação com o que quer que esteja passando na tela - elas que pretendem saber que tudo é falso e ilusório - não há mais espaço para Fantasia. Não. A menos que troquemos o nome de Bastian pelo de Dom Quixote. Só mesmo com muito idealismo para continuar acreditando na beleza dessas histórias, apesar de todos os contratempos e dos contraditos.

2 comentários:

  1. Li esse texto com muita nostalgia, e também com uma certa preocupação. É uma pena que as gerações mais novas parece terem sido já tão afetadas pela "realidade" das animações, que a princípio tinham o desafio de simular a realidade ou mundos irreias - vide a Terra Média do Senhor dos Anéis. Também por animações do tipo Poquemón, nas quais eu nunca vi muita graça. Mas eu sou de outra geração... não vale, né?! Será mesmo que a fantasia está morta, Ailton? Essa questão me pegou de cheio... e pra desviar um pouco da minha seca realidade, saída pela direita, pela porta da fantasia que talvez só uma criança muito pobre - uma que nunca teve brinquedos da Estrela, nem Barbie, nem Atari, nem DVD - talvez ainda consiga enxergar... Obrigada pelo toque fantástico! :-)

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  2. Caro Ailton, as coisas se movem. As fantasias de alguns anos atrás não são representadas da mesma forma hoje. A relação de nossos irmãos de perceberem o primitivismo dos desenhos anteriores não é sinal de desencanto. O contrato é outro, atualmente. Esses órfãos sempre exsitiram e essa fuga em um outro mundo também.

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