terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Assistência religiosa

Por detrás dessa expressão enorme, se esconde um ato simples: estender a mão a quem precisa. Mas a mão deveria estender-se sozinha, sem que nenhuma outra parte do corpo a acompanhasse. Estender a mão deveria se limitar a isso. Porém, além da mão, estendemos também o olhar. Queremos mesmo assistir, reparar.

E, à visão de tantas dores alheias, sente-se vergonha das nossas reclamações e lamúrias... Nossas pequenas pelejas cotidianas. Não temos problema algum. Pelo menos nenhum de tal gravidade que nos imobilize numa cama. Ainda sob os efeitos de uma assistência dada ontem, escrevi o seguinte poema, intitulado "Horas de dor":

Eram tantos relógios, cada um com seu passo
todos a marcar uma mesma hora.
Eram tantos relógios, e uma sensação enorme de atraso.
Eram tantos relógios, mas quanta demora!

Tantos relógios a tiquetaquear.
Tantos. Que algaravia!
E no entanto é longa a noite.
Essa paciente acaso verá o dia?

Dor, a pobre tem espamos de dor. E chora.
Tudo lhe dói. Tudo.
Dói, dói, dói, dói, dói...
Doze badaladas doloridas, longas, sofridas
doze vezes a relembrança da vidraça partida.

As pessoas passam na rua,
Ela revê os estilhaços na pele sua.
E, à dor física, junta-se esse medo da morte.

"Cansei de sofrer dor", ela me diz,
e ali estão os ponteiros por testemunha.
E fazem também o papel de algoz. E o de juiz.
Insensíveis ao drama que se desenrola,
eles apenas prenunciam má sorte:
Dói, dói, dói, dói, dói...


Crédito da imagem: http://www.kurya.com.br/?edicao_num=234&i=noticias/edicoes.php

Um comentário:

  1. "Dói, dói, dói, dói, dói...
    Doze badaladas doloridas, longas, sofridas"

    Que uso perfeito de uma onomatopéia metaforizada. Meu caro, sem sombra de dúvidas, esses dois foram os versos em que a sua poética estética se resumiu perfeitamente.

    Adorei o poema!
    Abraços.

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